‘Crianças devem ter inteligência digital’
Riscos da rede devem ser ensinados desde cedo, defende especialista; só limitar tempo de uso de celular não é suficiente
A coreana Yuhyun Park quer ensinar crianças a ter inteligência digital para se tornarem boas “cidadãs online”. Isso quer dizer não praticar ou se expor a violências, como o bullying digital, ter autocontrole para não se viciar no uso de celulares e agir com responsabilidade nas redes sociais. Para ela, cientista formada na Universidade Harvard e presidente de um instituto de educação digital, o DQ Institute, essas competências deveriam estar nos currículos das escolas de todos os países.
Yuhyun, de 42 anos, hoje vive em Cingapura, onde o governo já adotou sua plataforma educacional online para formar alunos, professores e famílias. “Muitos pais falam que a criança não pode usar o celular mais de uma hora, por exemplo, mas não é só isso o importante”, explica. “Eles precisam dizer como isso afeta a saúde e a vida toda dela. A mesma conversa que temos sobre os perigos offline, temos de ter sobre os perigos online.”
As pesquisas do seu instituto mostram que mais de 50% das crianças de 8 a 12 anos no mundo estão expostas aos chamados riscos do mundo digital, como exposição à pornografia, a conteúdos violentos ou vício em jogos. E quando elas têm o seu próprio celular e passam a usar redes sociais de maneira ativa, o risco aumenta em 20%.
“Precisamos dar às crianças a informação certa para que se tornem pessoas críticas, independentes. Não conseguimos estar online com nossos filhos o tempo todo.” Ela esteve no Brasil este mês para falar no Fórum Econômico Mundial.
• O que é a inteligência digital e como desenvolvê-la na criança? Quando as pessoas pensam em tecnologia, pensam nas questões do trabalho, como codificação, robótica, mas antes as crianças precisam aprender a ser cidadãs digitais. A inteligência digital são as competências que as crianças têm de ter para isso. Com nossa ferramenta educacional, ensinamos, de modo bem científico, sobre como limitar o tempo na frente das telas, dizendo como afeta seu cérebro, seu corpo ou habilidades cognitivas. Falamos sobre bullying, em como se proteger das armadilhas. E ainda o que significa estar online. As crianças precisam saber que quando colocam algo na internet, aquilo pode permanecer lá para sempre. E qual o impacto disso no futuro delas? É como o cigarro, se aprendem o quão prejudicial é, não fazem.
• As escolas deveriam ensinar essas competências?
Acredito muito que isso tem de estar no currículo de um país. Cingapura já fez isso. Nossas pesquisas mostram que 50% das crianças ganham seu primeiro celular aos 10 anos, por isso temos de intervir antes disso. A idade mais importante é entre 8 e 12 anos porque conseguimos formá-los antes de estarem online de uma maneira muito ativa. É como uma vacina, tem de ser dada antes de ser exposto.
• Suas pesquisas indicam que existe uma pandemia de riscos digitais. Por quê?
Hoje mais de 50% das crianças estão expostas a riscos do mundo digital. Estão fazendo coisas que as deixam vulneráveis para encontrar estranhos, ver pornografia, ficar viciadas em jogos. Muita gente acha que é uma questão cultural, mas não. O padrão é igual em todos os países. E a maioria delas não faz busca ativa por conteúdo inapropriado – a informação aparece para elas.
• Como os pais devem agir?
A tecnologia mudou tão rápido que não estamos preparados como pais, como geração. Pais com 40 anos tiveram seu primeiro celular aos 20. É um mundo completamente diferente. É preciso começar a conversar cedo porque quando se tornam adolescentes é mais difícil. Muitos pais falam que a criança não pode usar mais de uma hora o celular, por exemplo, mas não é só isso que é importante. Eles precisam dizer como isso afeta a saúde e a vida toda dela. Você está mandando seu filho para um lugar muito perigoso, um clique e tem acesso a pornografia. Então, a mesma conversa que temos sobre os perigos offline, devemos ter sobre os perigos online. Precisamos dar às crianças a informação certa para que se tornem pessoas críticas, independentes. Nós não conseguimos estar online com nossos filhos o tempo todo.
• Mas muitas vezes é difícil tirar o celular das crianças.
Sim, porque ele é desenhado para tornar as crianças viciadas. Ele dá uma resposta rápida e elas gostam disso. Os jogos são desenhados para isso. E se elas se acostumam a isso, sentem-se entediadas com todo o resto. Por isso, os pais precisam falar com as crianças sobre a vida digital.
“A mesma conversa sobre os perigos offline devemos ter sobre perigos online. Precisamos dar às crianças a informação certa para que se tornem pessoas críticas, independentes. Nós não conseguimos estar online com nossos filhos o tempo todo.”
• Crianças podem usar redes sociais?
Não nesse grupo de 8 a 12 anos. Não há benefício algum. Ficam mais expostas a pressões porque não têm um autocontrole desenvolvido. Elas precisam aprender como atuar na rede social, sobre privacidade e o que é estar online. As crianças são puras, se as pessoas fazem uma pergunta a elas, querem ser legais, dar toda a informação possível. E nós vamos soltar nossas crianças nesse mundo sem nenhuma proteção?