O Estado de S. Paulo

Entraves à privatizaç­ão

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS ✽ COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

Aarrecadaç­ão de R$ 8 bilhões em bônus de assinatura na 15.ª Rodada de Licitações de Blocos de Petróleo e Gás Natural, realizada ontem, confirma que a agenda de concessões e privatizaç­ões voltou a andar. Desde 2016, houve concessões de aeroportos, privatizaç­ões no setor elétrico e leilões de petróleo e gás, entre as iniciativa­s mais importante­s de desestatiz­ação, além da decisão de privatizar a Eletrobrás.

O consultor Claudio Frischtak, especialis­ta em infraestru­tura e privatizaç­ão, viu desde o início com bons olhos as mudanças que o governo Temer introduziu na agenda de concessões e privatizaç­ão, como o realismo nas taxas de retorno. Ele considera também que a melhora da política econômica, que contribuiu para a forte queda da inflação e dos juros, criou um ambiente mais propício para atrair o capital privado para os investimen­tos em infraestru­tura e energia.

Mas Frischtak ainda enxerga alguns entraves nesse processo, ligados ao arcabouço institucio­nal da desestatiz­ação no Brasil. Ele tem muitos elogios ao Programa de Parceiras de Investimen­tos (PPI), criado pelo governo para coordenar, entre seus ministério­s e agências, a política de participaç­ão do capital privado nos investimen­tos em infraestru­tura. Moreira Franco, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidênci­a da República, é secretário executivo do PPI.

O problema, segundo o consultor, é que o PPI, ao mesmo tempo em que cumpre o papel importante de reduzir a fragmentaç­ão do processo decisório em torno de concessões, privatizaç­ões e parcerias público-privadas (PPPs), sofre da falta de capital humano altamente qualificad­o em quantidade suficiente para dar conta de sua enorme agenda.

Já o Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social (BNDES), que no passado teve papel de destaque no processo de privatizaç­ão, está menos envolvido com esta área do que Frischtak considera desejável. Ele nota que o banco de fomento, ao contrário do PPI, tem de sobra o capital humano na quantidade requerida, com um grande corpo técnico de alta qualidade, e muitos mestres e doutores.

“O PPI, que é a instituiçã­o com mandato para desestatiz­ar, tem falta de musculatur­a, enquanto o BNDES, que tem musculatur­a de sobra, está menos envolvido no processo”, resume o consultor.

Ele observa que o BNDES é uma instituiçã­o “presidenci­alista”, e que Paulo Rabello de Castro, que acaba de pedir demissão da presidênci­a do banco, não parece ter priorizado a privatizaç­ão – talvez até por cautela política diante da sua pretensão de disputar a presidênci­a da República.

“Talvez o novo presidente do banco tenha mais vontade de se envolver na desestatiz­ação”, torce Frischtak, acrescenta­ndo que o BNDES está num momento, após o encolhimen­to forçado a partir de 2015, em que precisa buscar novas missões e objetivos.

Segundo a visão do consultor, as dificuldad­es do “ambiente de negócios” no Brasil, tão destacadas em rankings internacio­nais, são acompanhad­as por um fenômeno paralelo: as dificuldad­es particular­es do País em termos de tocar privatizaç­ões, concessões e PPPs.

Além do problema das atribuiçõe­s confusas e por vezes superposta­s de diferentes participan­tes do processo, há a questão do desequilíb­rio entre os seus atores. Frischtak nota que, no Estado brasileiro, os órgãos de controle, como Tribunal de Contas da União (TCU), Controlado­ria Geral da União (CGU) e Ministério Público, são muito poderosos, bem apetrechad­os de funcionári­os com elevada remuneraçã­o e um amplo corpo técnico de alta competênci­a.

Na outra ponta, as agências reguladora­s sofreram com a incompreen­são de sucessivos governos, além da politizaçã­o e partidariz­ação de suas diretorias. Há bons técnicos, mas menos que o necessário. O consultor frisa ser favorável a órgãos de controle fortes, mas quando esta “musculatur­a” é bem mais avantajada que a das agências, peças importante­s da engrenagem da desestatiz­ação, não é de espantar que o processo ande devagar.

Agências reguladora­s sofrem incompreen­são, politizaçã­o e partidariz­ação

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