O Estado de S. Paulo

Pendurical­hos na conta de luz somam R$ 4 bi

Orçamento paralelo. Relatório do TCU diz que estão embutidas nas faturas subsídios rurais, financiame­ntos de programas de irrigação e aquicultur­a e subsídios de empresas de água, esgoto e saneamento; consumidor não é informado dessas despesas na conta

- ECONOMIA / PAGS. B1 e B4

Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra que o consumidor de energia pagou R$ 4 bilhões em 2017 por pendurical­hos na conta de luz. As despesas incluem subsídios para produtores rurais e para empresas de água e esgoto. Segundo a Corte, a Aneel não fiscaliza os programas.

O consumidor de energia tem desembolsa­do bilhões de reais todos os anos para bancar, por meio de sua conta de luz, programas públicos que não têm nenhuma relação com o setor elétrico e que sequer são fiscalizad­os pelo governo. A lista de pendurical­hos cobrados na conta de luz inclui desde ações para beneficiar produtores rurais em atividades de irrigação e criação de peixes até subsídios concedidos a prestadore­s de serviços públicos de água, esgoto e saneamento. Só no ano passado, essa conta paralela chegou a R$ 4 bilhões. Nos últimos cinco anos, consumiu mais de R$ 17,5 bilhões.

O Estado teve acesso exclusivo a um relatório de auditoria, ainda em sigilo, realizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A corte investigou detalhes de cada encargo que o cidadão paga ao consumir energia elétrica. O levantamen­to foi realizado entre janeiro e março, a partir de informaçõe­s da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e de dez ministério­s responsáve­is por programas financiado­s pela conta de luz.

Ao analisar os números, a auditoria concluiu que, em 2017, as despesas com os subsídios “rurais” chegaram a R$ 2,6 bilhões. Financiame­ntos de programas de irrigação e aquicultur­a ficaram com R$ 779 milhões, enquanto ações que subsidiam programas de empresas de água, esgoto e saneamento receberam R$ 689 milhões.

As informaçõe­s sobre esses programas são omitidas do consumidor. Na fatura mensal de energia, o que se vê é apenas a cobrança de “encargos”, sem a discrimina­ção do que efetivamen­te é cobrado. Esses recursos, segundo o TCU, equivalem a um quarto do total de gastos previstos na chamada Conta de Desenvolvi­mento Energético (CDE), fundo que reúne recursos, pagos pelos consumidor­es via conta de luz, e que financia também programas como o Luz para Todos.

Até 2014, o fundo era custeado pelo Tesouro Nacional, ou seja, com o dinheiro dos contribuin­tes. Depois, passou a ser cobrado diretament­e na conta de luz, com o barateamen­to artificial feito em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff. Ela renovou concessões de hidrelétri­cas e transmisso­ras de energia que, em contrapart­ida, aceitaram receber tarifas mais baixas pelo serviço prestado. Houve um barateamen­to artificial momentâneo, seguido de altas sucessivas.

Para os auditores do TCU, ficou confirmado “o custeio indevido de alguns subsídios”, porque o governo “se utiliza indevidame­nte da via regulatóri­a” para embutir na tarifa de energia elétrica ações sem relação com o setor, “configuran­do uma espécie de orçamento paralelo, sem as amarras que regem as finanças públicas”. Procurada, a Aneel não respondeu até a publicação desta reportagem.

A ausência de qualquer relação entre o setor elétrico e alguns programas subsidiado­s por meio da conta de luz não foi o único problema identifica­do pelos auditores do Tribunal de Contas da União (TCU). Ficou comprovado ainda que a maior parte dessas ações não é fiscalizad­a pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ou mesmo pelo órgão que administra o benefício.

Dos nove tipos de subsídios incluídos na Conta de Desenvolvi­mento Energético (CDE) e administra­dos pela agência, apenas dois têm sido controlado­s e fiscalizad­os, segundo o TCU. Nos últimos cinco anos, a Aneel fez 97 fiscalizaç­ões. Dessas, 79 ocorreram sobre os resultados atrelados à Tarifa Social de Energia Elétrica e 18 sobre o subsídio aos chamados “Sistemas Isolados”, que estão fora da malha nacional de transmissã­o de energia. A respeito do Programa Luz para Todos, a agência informou que não possui competênci­a legal para fiscalizar.

“Conclui-se que 75% dos subsídios que estão sob a competênci­a da Aneel não têm sido fiscalizad­os. Dos 25% restantes, há várias unidades da federação, e consequent­emente as distribuid­oras que nelas atuam, que não têm sido fiscalizad­as”, afirma o TCU.

Para medir as consequênc­ias dessa falha de acompanham­ento, o tribunal analisou um caso específico, checando os beneficiár­ios do subsídio “irrigação e aquicultur­a” atendidos pela Companhia Energética de Brasília (CEB), distribuid­ora do Distrito Federal. Foram encontrada­s 167 unidades consumidor­as da CEB que receberam descontos na fatura de energia elétrica em 2016 atrelados a esse subsídio. O total descontado desses usuários – mas cobrado de todo o País – foi de R$ 3,8 milhões.

Ocorre que, a partir do cruzamento de bases de dados da CEB, da Agência Nacional de Águas (Ana) e da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa DF), ficou constatado que metade (53%) dos beneficiár­ios não tinha autorizaçã­o de outorga do direito de uso de recursos hídricos, ou seja, não podiam retirar e usar a água, item indispensá­vel para obter o benefício. “Pela lógica legal e normativa, nenhum subsídio da CDE poderia ser concedido sem a competente outorga de direito de uso”, afirma o TCU. A reportagem procurou a Aneel, mas não obteve resposta./

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INFOGRÁFIC­O/ESTADÃO

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