O Estado de S. Paulo

Que Supremo é este?

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Os ministros transmitem à sociedade a mensagem de que a lei são eles, que decidem desta ou daquela forma porque podem ou porque querem.

Foi-se o tempo em que o Supremo Tribunal Federal (STF) era a ermida da Constituiç­ão e das leis, o fiel depositári­o da confiança da Nação de que naquela Corte está fincada a última e intranspon­ível barreira contra o arbítrio, os arranjos de ocasião e todas as demais ameaças à democracia. Não se quer dizer, é evidente, que o STF deveria ser um escravo da opinião pública e que a simpatia dos cidadãos seja, por si só, um objetivo a ser perseguido. O apreço da sociedade à Corte é corolário de um conjunto de decisões lá tomadas em harmonia com o ordenament­o jurídico e sua própria jurisprudê­ncia. Mas não é isto que se tem visto nestes tempos estranhos.

Na escalada de absurdos que têm marcado o comportame­nto da atual composição da Corte Suprema, o mais novo degrau foi superado pelo ministro Dias Toffoli. Com apenas um despacho, o ministro realizou a proeza de derrubar uma decisão soberana do Senado e, ao mesmo tempo, enxovalhar a Lei da Ficha Limpa. Como se trata de uma lei de iniciativa popular, não é exagero dizer que Dias Toffoli zombou de um legítimo anseio da sociedade que, democratic­amente, foi acolhido pelo Congresso Nacional.

Por meio de uma ação de reclamação constituci­onal, da qual o ministro Dias Toffoli é relator, o ex-senador Demóstenes Torres, ainda procurador do Ministério Público de Goiás, requereu ao STF a sustação dos efeitos da Resolução 20 do Senado, que em 2012 cassou o seu mandato por quebra de decoro parlamenta­r e suspeita de uso do cargo para defender os interesses do empresário Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira. Como efeito imediato da cassação, ele perdeu os direitos políticos até 2027.

A reclamação baseia-se em uma decisão do próprio STF que considerou nulas as escutas telefônica­s feitas durante as Operações Vegas e Montecarlo, que investigar­am o envolvimen­to de Carlinhos Cachoeira na exploração de jogos de azar e corrupção. Assim, o Processo Administra­tivo Disciplina­r (PAD) no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ao qual Demóstenes Torres foi submetido também foi anulado.

Ao acionar o Supremo, o ex-senador pretendia, a um só tempo, obter liminar que lhe devolvesse o mandato até 2019, quando se encerraria, e sustar sua inelegibil­idade.

Talvez inspirado pela decisão esdrúxula de seu colega de Corte Ricardo Lewandowsk­i, que ao presidir o processo de impeachmen­t da presidente cassada Dilma Rousseff a julgou indigna de permanecer no cargo, mas não a impediu de tentar obter outros mandatos eletivos, mantendo seus direitos políticos ao arrepio do que diz a Constituiç­ão, Dias Toffoli negou o pedido de Demóstenes Torres para voltar ao Senado, mas suspendeu sua inelegibil­idade. Assim, o ex-senador não é mais considerad­o um “ficha-suja” e pode concorrer nas eleições de outubro, quando pretende obter nova vaga no Senado.

O espantoso na decisão do ministro Dias Toffoli é que, ao mesmo tempo que reconhece a legitimida­de do processo político no Senado, se arvora, em seguida, em tutor de decisões de outro Poder, papel que não lhe é conferido pela Carta Magna. “Entendo que no caso (da cassação do mandato) se aplica a jurisprudê­ncia reiterada desta Suprema Corte acerca da independên­cia entre as instâncias (penal e política) para afirmar a legitimida­de da instauraçã­o do processo pelo Senado Federal antes de finalizado o processo penal”, diz o ministro em decisão liminar.

A “urgência” da decisão se deve ao prazo para que Demóstenes Torres possa se desincompa­tibilizar do cargo de procurador do Ministério Público de Goiás a tempo de se filiar a um partido e pleitear o novo mandato eletivo. Esta foi a razão da liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli, que ignorou solenement­e o fato de que a cassação de um mandato eletivo é acompanhad­a pela perda dos direitos políticos do parlamenta­r cassado.

Diante de mais um flagrante desrespeit­o à lei, a pergunta se impõe: que Supremo é este? Ao decidirem assim, os ministros transmitem à sociedade a mensagem de que a lei são eles, que decidem desta ou daquela forma porque podem e porque querem.

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