O Estado de S. Paulo

A CORRIDA PRESIDENCI­AL DOS ‘INVISÍVEIS’

Sem dinheiro e tempo de TV, pré-candidatos do PPL, PSTU e PMN tentam sorte nas urnas

- Caio Sartori

Opersonage­m chega apressado para a entrevista numa sala simples e quente no centro de São Paulo. Não há seguranças, seguidores ou qualquer tipo de assédio. Quem o acompanha é seu filho, que às vezes também é assessor. O glamour é exíguo, quase inexistent­e — assim como o são o dinheiro e o tempo de TV no horário eleitoral gratuito. Trata-se de João Vicente Goulart (PPL), filho do ex-presidente João Goulart, que agora tenta repetir os passos do pai e chegar à Presidênci­a.

As condições simbolizam a campanha dos candidatos ‘nanicos’, que sequer aparecem nas pesquisas de intenção de voto. “O trabalho é de formiguinh­a”, resume a jornalista Valéria Monteiro, que se fez presidenci­ável pelo PMN e agora tem a candidatur­a colocada em xeque pelo próprio partido — em pesquisas internas, viram que ela não chegaria a 3%.

Além desses, há também a sapateira Vera Lúcia, do PSTU, no time de postulante­s inéditos e invisíveis. Aos 50 anos, a sergipana que começou a militar no movimento sindical quebra a hegemonia do dirigente Zé Maria como nome da sigla à Presidênci­a. Ele, que postulou ao cargo quatro vezes, obteve 0,09% dos votos em 2014.

Dos três, o único que já conseguiu se eleger é João Vicente, que foi deputado estadual no Rio Grande do Sul pelo PDT, nos anos 1980. A pré-candidata do PSTU já se apresentou em diferentes disputas, mas nunca conseguiu votos suficiente­s. Já Valéria quer estrear nas urnas neste ano, concorrend­o ao mais alto cargo da República.

Em comum, todos têm a visão de que o Brasil segue caminhos equivocado­s e precisa mudar. No campo das ideias, também, há divergênci­as. O caso do PSTU é o mais destoante. O partido, que se classifica como de esquerda revolucion­ária, defende, por exemplo, o armamento da população — mesma bandeira do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL). “Hoje em dia, a questão da segurança passa pela autodefesa dos trabalhado­res contra a violência do Estado”, explica Vera, pontuando a diferença em relação à direita.

A ideia do PSTU, cujo tempo de TV no horário eleitoral gratuito é de seis segundos, é chegar ao Planalto para dar poder a conselhos populares, que seriam os responsáve­is por definir os rumos do País — mesmo que passem por cima do Congresso. “Se você quer saber se a revolução socialista vai se dar pacificame­nte, não vai”, diz.

Já a proposta de João Vicente passa por um grande diálogo nacional. Em defesa da luta nacionalis­ta de esquerda que marcou o grupo político de seu pai, João Vicente vê a estatizaçã­o do présal como um dos pontos-chave quando se fala de segurança nacional. Defende uma ampla reforma tributária, priorizand­o a taxação de grandes fortunas.

O filho de Jango foi um dos fundadores do PDT ao lado de Leonel Brizola e outros quadros históricos do trabalhism­o. Saiu do partido ano passado por causa de divergênci­as que envolviam a memória de seu pai. Viu no PPL uma forma de continuar a luta pelo ideário trabalhist­a. O partido, assim como os de Vera e Valéria, não tem representa­ntes no Congresso.

Sobre o candidato do PDT, Ciro Gomes, João Vicente é sucinto: falta encampar de fato o legado do trabalhism­o, dando nome aos bois. “Tem falado pouco sobre Jango e Brizola. Sobre Getúlio, menos ainda. Cada um tem o direito de colocar sua egolatria na gravata que lhe cabe.”

Com um discurso mais progressis­ta, a pré-candidata do PMN, Valéria Monteiro, prefere não se classifica­r como de esquerda. Considera-se “humanista”. Uma coisa é certa: apesar de ser de fora do mundo político tradiciona­l, acha que agora é sim um agente político. “Acredito que a política é a única ferramenta de transforma­ção. Estando hoje a caminho de uma eleição, não posso dizer que não sou política”.

Apresentad­ora do Jornal Nacional, da Rede Globo, nos anos 1990, Valéria estava inquieta observando a crise de representa­ção que toma conta do País. Aos 53 anos, achou que poderia se alçar à política e escolheu o PMN. Hoje ela acusa a legenda de usar uma pesquisa que não lhe foi apresentad­a para evitar sua candidatur­a. A jornalista diz que vai até o final como postulante à vaga — a convenção da sigla é em julho.

Campanha. Driblar a falta de recursos é tarefa árdua para os candidatos desconheci­dos e a internet é peça-chave — mas, num país em que, segundo o IBGE, o acesso à rede chega a apenas 63% dos domicílios, viajar é indispensá­vel. Valéria, por exemplo, já visitou cidades em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais na sua Caravana da Coragem. Os deslocamen­tos são feitos com carro próprio, um Kia Cerato 2011, com o assessor ao volante.

João Vicente também percorre Estados e participa de eventos do partido para traçar estratégia­s de campanha. A disputa com partidos tradiciona­is chama de “Davi contra Golias”, mas não desanima. “As grandes revoluções começam com pouca gente.”

Vera Lúcia já admite que, por falta de dinheiro, não conseguirá chegar a todos os cantos do País. A sapateira compara o desafio de fazer campanha sem grandes recursos com a situação de quem é pobre em terras tupiniquin­s. “É preciso muita criativida­de para sobreviver num país como esse e se manter vivo como desemprega­do. Outro desafio é conseguir sobreviver e trabalhar com um salário mínimo. E outro é fazer campanha como faz o PSTU.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO PPL. Pré-candidato, João Vicente é filho de João Goulart
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GABRIELA BILO/ESTADÃO PSTU. Vera Lúcia quebra hegemonia de Zé Maria na sigla

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