O Estado de S. Paulo

A meta, o piso e a liquidez

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS INVESTIMEN­TOS

Em sua última reunião o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB) validou as expectativ­as e reduziu a taxa básica de juro (Selic) em 0,25 ponto de porcentage­m, para 6,50% ao ano. Se na definição da taxa de juros não houve surpresas, no comunicado que se seguiu à reunião a autoridade monetária surpreende­u ao anunciar que havia também decidido por nova redução da Selic na reunião de maio, 45 dias à frente. O objetivo do anúncio antecipado era tornar a política monetária “um pouco mais estimulati­va”, ao antecipar os efeitos de uma queda da Selic.

O teor do comunicado e da ata divulgada na terça-feira seguinte à reunião dá as pistas para entender este comportame­nto não convencion­al e surpreende­nte do Copom.

No comunicado, os membros do Comitê reconhecem que “o comportame­nto da inflação permanece favorável, com diversas medidas de inflação subjacente em níveis baixos, inclusive os componente­s mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária”. A utilização da expressão “níveis baixos” em lugar de “confortáve­l”, como tem sido a praxe em outros comunicado­s, sugere que o Banco Central está pouco confortáve­l com a queda maior que a esperada da inflação subjacente.

Sentimento este reforçado na ata quando a expressão é repetida três vezes para se referir ao comportame­nto dos componente­s da taxa de inflação “mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária”.

Porém, é na justificat­iva para a decisão de antecipar o anúncio da futura redução da Selic que aparece a pista mais explícita. Segundo o comunicado, “o Comitê julga que este estímulo adicional mitiga o risco de postergaçã­o da convergênc­ia da inflação rumo às metas”. Nesta frase, o interessan­te é o plural, às metas, em lugar do singular, à meta.

O BCB não parece estar preocupado em atingir a meta (4,5%). E, como veremos abaixo, com razão. Está preocupado em atingir “as metas”, ou seja, permanecer dentro do intervalo de metas. Como enfatiza a ata da reunião, “mesmo com trajetória para a taxa Selic que já incorporav­a redução para o patamar de 6,50% a.a., as perspectiv­as para inflação – levando em conta expectativ­as, projeções e avaliação de amplo conjunto de informaçõe­s – apresentar­am recuo no horizonte relevante, principalm­ente para 2018”.

Neste contexto, “o Comitê passou a debater os passos seguintes à próxima reunião, tendo em mente o horizonte relevante para a condução da política monetária àquela altura, que já estará majoritari­amente concentrad­o no ano-calendário de 2019”. Ou seja, a reunião de março era a última chance de a política monetária afetar significat­ivamente a taxa de inflação de 2018.

Como a taxa anual de inflação está há oito meses abaixo do piso do intervalo de metas (3,0%), a inflação no primeiro trimestre de 2018 não deverá ultrapassa­r 1,0%, a inflação subjacente permanece em queda e as expectativ­as para a inflação para 2018 e 2019 estão abaixo das metas nos respectivo­s anos e caindo, a meta de 4,5% em 2018 é inatingíve­l, exceto se ocorrer um significat­ivo choque de oferta. Neste cenário, o risco é a inflação ficar novamente abaixo do piso do intervalo de metas, como aconteceu em 2017.

Os sinais são de cresciment­o abaixo do esperado e a taxa de desemprego permanece elevada

Seria o segundo ano consecutiv­o no qual a inflação ficaria abaixo do piso, em um momento em que os sinais são de cresciment­o abaixo do esperado e a taxa de desemprego permanece elevada. E, ao contrário do que deveríamos esperar com a redução das incertezas e a retomada do cresciment­o, a transmissã­o das quedas da Selic para as taxas de mercado está bastante lenta e o spread bancário está aumentando, o que indica baixa liquidez no mercado de crédito.

Com o prazo de validade da política monetária para 2018 vencido, o BCB decidiu reduzir os depósitos compulsóri­os dos bancos, na tentativa de aumentar a oferta de crédito, reduzir os spreads, acelerar o cresciment­o e manter a inflação dentro do intervalo de metas. Não vai ser fácil.

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