O Estado de S. Paulo

MILAGRE ECONÔMICO RESSUSCITA PORTUGAL

Após socorro econômico de ¤ 78 bilhões e da consequent­e intervençã­o do FMI, país cresce hoje 2,7%, acima da média da UE, e vira principal destino de startups

- Andrei Netto ENVIADO ESPECIAL / LISBOA

Prontos a aplaudir o jovem Miguel Santo Amaro, fundador da empresa, uma centena de funcionári­os se espalham todas as quartas-feiras pelo chão, por sofás, bancos, degraus de escadas e até por uma rede que decora o ambiente de trabalho da startup portuguesa Uniplaces. Conectados via web a colegas distribuíd­os por várias capitais europeias, eles recebem de seu “guru” os dados positivos sobre a performanc­e e as diretrizes para as próximas semanas da companhia, uma das que simboliza a recente retomada econômica em Portugal.

Há seis anos, a empresa, espécie de Airbnb da habitação estudantil, desenvolve­u uma plataforma digital que conecta proprietár­ios de imóveis e universitá­rios em busca de alojamento de aluguel durante o ano letivo. A ideia deu certo e atraiu aportes externos, um primeiro de ¤ 3,2 milhões e um segundo de ¤ 24 milhões em 2015. Hoje a companhia já soma 140 funcionári­os e se tornou referência em seu setor na Europa, atuando em seis países e movimentan­do ¤ 100 milhões só em transações entre estudantes e proprietár­ios.

O caso de sucesso no universo digital é apenas um em meio a uma economia que, após anos de recessão, reencontro­u o caminho da prosperida­de. Depois de virar a página do socorro econômico de ¤ 78 bilhões e da consequent­e intervençã­o da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), Portugal vive hoje seu melhor desempenho econômico em 17 anos. Com o “cresciment­o do século”, de 2,7% em 2017 – acima da média da UE –, e o desemprego em forte baixa, em 7,8%, o país não só vem saneando suas finanças públicas como já voltou a aumentar o salário mínimo. Antes moribunda, sua indústria cresce e se qualifica, ao mesmo tempo em que o país se transforma em um celeiro europeu de tecnologia, design e economia digital.

Virada. O “milagre português”, como vem sendo chamado por alguns analistas econômicos mais eufóricos, reflete a virada de expectativ­as em torno do país. Atingido em cheio pela crise financeira global, Portugal enfrentou entre 2010 e 2014 o risco concreto da falência. Com um déficit público de 9,4% do PIB em 2009, o país acabou arrastado pela crise das dívidas da zona do euro, tornando-se, ao lado da Grécia e da Irlanda, um dos primeiros a serem socorridos pelo FMI na história da Europa. De grau de investimen­to com dívida classifica­da A+ pela agência Standard & Poor’s, acabou rebaixado a grau especulati­vo, nível que indica mais risco para investidor­es.

Nesse período, mais de 500 mil pessoas, a maioria jovens, buscou postos de trabalho no exterior, em países como Brasil, Angola, Moçambique e na Europa.

Hoje a política de austeridad­e ficou para trás e a situação se inverteu. Em Lisboa, o comércio prospera em bairros como o Alfama, recheado de turistas e também de restaurant­es típicos e casas de fado. Na capital e em Porto, as duas maiores cidades do país, prosperam pequenos e médios negócios que vão da cosmética natural e da alimentaçã­o orgânica à realidade virtual e à inteligênc­ia artificial. Não raro, essas áreas se fundem, como no caso da The Green Beauty Concept, uma loja de cosmética natural via e-commerce criada em 2017 por Joana Parente, 30 anos, na cidade de Estoril. “Havia uma lacuna que podíamos preencher”, conta Joana, referindo-se ao mercado nacional.

Antes fora do mapa da inovação digital, Lisboa tornou-se um dos hubs mais promissore­s para novas empresas de toda a Europa. Atraídos pela qualidade de vida, pela qualificaç­ão da mão de obra jovem e, sobretudo, pelo seu custo baixo, startups têm se mudado para Lisboa. A capital agora atrai grandes eventos do setor de tecnologia, como o WebSummit, espécie de Fórum de Davos do universo digital. De acordo com dados da incubadora públicopri­vada Startup Portugal, 46% dos empregos criados no país estão ligados ao universo das startups. Mais de 2,3 mil estão em incubação nesse momento, e nelas mulheres ocupam postos de liderança em 35% dos casos. “Houve uma oportunida­de muito específica durante a crise”, diz Miguel Santo Amaro.

A busca pelo dinamismo também é seguida por multinacio­nais europeias. Este mês, parte do setor de informátic­a do banco francês Crédit Agricole será transferid­o para Lisboa, aproveitan­do uma economia da ordem de 30% nos gastos. Desde 2016, BNP Paribas e Natixis fizeram o mesmo, um movimento também seguido por empresas da Alemanha e do Reino Unido.

A nova fase de Portugal beneficia ainda a “velha indústria”, que também se recupera. Devastado pela concorrênc­ia com os países do Leste da Europa e da Ásia, o setor têxtil e de vestuário, um dos mais tradiciona­is do país, viu quase 50% de suas empresas fecharem entre 2001 e 2009. Hoje reorganiza­do, bateu seu recorde nas exportaçõe­s do país – ¤ 5,23 bilhões em 2017.

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ANDREI NETTO / ESTADÃO Retomada. Miguel Santo Amaro, fundador da startup Uniplaces, discursa em reunião semanal de funcionári­os na sede da empresa, em Lisboa
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