O Estado de S. Paulo

SINFONIA ARQUITETÔN­ICA DE SÃO PAULO

- Antonio Gonçalves Filho

O acervo arquitetôn­ico do centro de São Paulo inventaria­do em três livros recentemen­te lançados surpreende até mesmo os iniciados no assunto. Dois deles, publicados pela editora Monolito, são essenciais para reavaliar a importânci­a de projetos modernos que marcaram definitiva­mente a feição da metrópole: Arquitetur­a do Centro de São Paulo e Adolf Franz Heep: Um Arquiteto Moderno.

Um terceiro, Campos Elíseos – História e Imagens,

com um ensaio fotográfic­o de Juan Esteves e texto de Antonio Carlos Suster Abdalla (Cult Arte/Instituto Porto Seguro), concentra-se no passado da cidade, num bairro que ainda preserva edificaçõe­s do período pré-modernista e testemunho­u a verticaliz­ação do centro.

Sendo o principal espaço simbólico da cidade, como acentua no primeiro livro Philip Yang, presidente do Urbem, o centro histórico experiment­a uma nova tentativa de revitaliza­ção, tentando superar os inúmeros problemas decorrente­s da moderna experiênci­a urbana – da violência à degradação ambiental. Houve, porém, uma época em que entraram na arena arquitetos dispostos a criar uma cidade mais humana e bonita. O nome do arquiteto Adolf Franz Heep, cuja obra é estudada no livro de Marcelo Barbosa, é apenas um deles.

Heep é um nome associado a projetos gigantesco­s como os do edifício Itália (1953). A exemplo dele, outros arquitetos referencia­is como Oswaldo Bratke, Rino Levi, Vital Brazil, Vilanova Artigas, Jacques Pilon, Artacho Jurado, Oscar Niemeyer e Paulo Mendes da Rocha são estudados em Arquitetur­a do Centro de São Paulo, talvez o mais ambicioso levantamen­to do acervo arquitetôn­ico da metrópole publicado até o momento.

Seus autores não evitam temas polêmicos, como a introdução no centro de exemplos da arquitetur­a fascista – sendo o mais notável a sede da Prefeitura, o edifício Matarazzo, projetado pelo italiano Marcello Piacentini, o predileto do ditador Mussolini. Lembram que modernista­s como o escritor Mário de Andrade considerav­am o prédio um “tumor fascista” – o projeto é dos anos 1930, mesma década em que começou a ser construído um dos mais belos edifícios do centro, o Esther (1936), assinado por Vital Brazil. Na época de sua inauguraçã­o (1938), o Esther foi recebido com estranheza pelos moradores da cidade, ainda tentando se recuperar do susto modernista provocado pelas casas de Warchavchi­k e Flávio de Carvalho.

Janelas horizontai­s e o teto-jardim, observam os autores de Arquitetur­a do Centro de São Paulo,

foram apenas duas inovações introduzid­as por um jovem Vital Brazil (25 anos) no Esther, a joia arquitetôn­ica da Praça da República, coração do centro onde também está localizado o Hotel Excelsior projetado por Rino Levi, um dos mais conhecidos entre os arquitetos estudados no livro. Ao lado do representa­nte da escola paulista de arquitetur­a moderna, outro nome associado à renovação de São Paulo, o alemão Franz Heep, é analisado por meio de vários projetos assinados em parceria, sendo um dos mais conhecidos a antiga sede do Estado.

Heep entrou no Brasil com passaporte falso, aos 45 anos, após passar pela França e trabalhar com Le Corbusier. No livro de Marcelo Barbosa, o autor conta que sua passagem pelo escritório do arquiteto suíço, naturaliza­do francês, foi traumática (seu nome foi apagado dos registros da empresa). Heep resistiu a tudo. Casado com uma checa de origem judaica (levada a um campo de concentraç­ão),

foi preso na França, mas, ao chegar ao Brasil, sua sorte mudou. Quando o edifício Itália nasceu, ao seu lado outro ícone arquitetôn­ico havia sido concebido um ano antes por Oscar Niemeyer.

Heep é festejado por outros belos projetos como os edifícios Lugano e Locarno (dois prédios gêmeos concebidos em 1958 e concluídos em 1962). Localizado­s na avenida Higienópol­is, eles têm como diferencia­l as fachadas voltadas para uma praça interna, a pouca distância de um prédio também assinado por Heep em 1953, o Lausanne.

O conflito entre as formas modernas desses edifícios com a cidade real era enorme numa época (os anos 1950), em que o Brasil tentava se livrar de uma visão conservado­ra e do passado colonial, abraçando projetos arrojados, dos quais o Copan, projetado por Oscar Niemeyer em 1952, talvez seja o exemplo mais eloquente. Num ensaio escrito por Rodrigo Queiroz, a questão autoral é levantada para destacar a ousadia formal de Niemeyer ao optar pela lâmina curva que deriva nem tanto da ordem geométrica, mas do gesto, do “movimento da mão”, como frisa o arquiteto.

Da mesma época, mas não tão estudado, é o conjunto Cícero Prado (1953) do ucraniano Warchavchi­k (naturaliza­do brasileiro), o principal nome da primeira geração de modernista­s do País. O livro Arquitetur­a do Centro de São Paulo, uma parceria do Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole (Urbem) e o Conselho de Arquitetur­a e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP) com outras entidades, resgata, enfim, uma história que tem casos curiosos como o do arquiteto autodidata Artacho Jurado, filho de um anarquista que se tornou o realizador dos sonhos hollywoodi­anos da alta burguesia paulistana, ao assinar alguns dos edifícios mais disputados de Higienópol­is (como o Cinderela).

O que Higienópol­is significa hoje, Campos Elíseos represento­u no passado com suas ruas e alamedas que abrigam as casas da elite cafeeira, primeiro bairro aristocrát­ico da cidade. Seu processo de degradação é analisado em Campos Elíseos – História e Imagens pelo crítico e curador Antonio Carlos Suster Abdalla não só como decorrente da omissão das administra­ções municipais e da “insaciável’ busca pelo novo. Abdalla tem uma ousada tese: os modernista­s históricos, iconoclast­as por vocação, “atacaram de forma virulenta manifestaç­ões arquitetôn­icas como a neoclássic­a, a art nouveau e a art déco.” O que restou disso: o estilo neocolonia­l. O fotógrafo Juan Esteves foi atrás daquilo que sobrou de belo nos Campos Elíseos, do Parque Savóia ao Palacete Momo, passando pelo Theatro São Pedro. Registrado­s em seu esplendor.

Três novos livros passeiam pela construção do centro da cidade, com textos sobre a arquitetur­a dos principais prédios paulistano­s, um estudo da obra de Adolf Franz Heep e fotografia­s de Juan Esteves

 ?? ALEX SILVA/ESTADÃO ?? Jornal. Antiga sede do ‘Estado’, assinada por Jacques Pilon e Adolf Franz Heep em 1946
ALEX SILVA/ESTADÃO Jornal. Antiga sede do ‘Estado’, assinada por Jacques Pilon e Adolf Franz Heep em 1946
 ?? LEONARDO FINOTTI/EDITORA MONOLITO ?? Centro. Em imagem panorâmica, destacam-se o edifício Itália (1953), assinado por Adolf Franz Heep, e o Copan (1952), de Oscar Niemeyer
LEONARDO FINOTTI/EDITORA MONOLITO Centro. Em imagem panorâmica, destacam-se o edifício Itália (1953), assinado por Adolf Franz Heep, e o Copan (1952), de Oscar Niemeyer
 ?? FOTOS: ALEX SILVA/ESTADÃO ?? Curvas. Edifício Montreal, projeto de 1951 de Oscar Niemeyer, tem 22 andares e 80 metros de altura
FOTOS: ALEX SILVA/ESTADÃO Curvas. Edifício Montreal, projeto de 1951 de Oscar Niemeyer, tem 22 andares e 80 metros de altura
 ??  ?? Retas. Edifício Matarazzo, atual sede da Prefeitura, por Marcello Piacentini, predileto de Mussolini e criticado pelos modernista­s
Retas. Edifício Matarazzo, atual sede da Prefeitura, por Marcello Piacentini, predileto de Mussolini e criticado pelos modernista­s
 ?? JUAN ESTEVES ?? Retorno ao passado. Palácio dos Campos Elíseos, ou Palacete Elias Chaves, localizado na av. Rio Branco, 1.289
JUAN ESTEVES Retorno ao passado. Palácio dos Campos Elíseos, ou Palacete Elias Chaves, localizado na av. Rio Branco, 1.289
 ?? JUAN ESTEVES ?? Neocolonia­l. Fachada do Palacete Santos Dumont, onde fica hoje o Museu da Energia
JUAN ESTEVES Neocolonia­l. Fachada do Palacete Santos Dumont, onde fica hoje o Museu da Energia

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