O Estado de S. Paulo

Rigidez e ineficiênc­ia

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O regime fiscal engessou de tal modo o Orçamento que pouco sobra para ser aplicado em programas e projetos novos.

Ainda que as propostas e programas do governo sejam os mais adequados aos interesses do País e que seus executores sejam os mais honestos e competente­s, condições estruturai­s fizeram com que o efeito prático dessa combinação política e administra­tivamente ideal tenda a ser limitado. O regime fiscal criado pela Constituiç­ão de 1988 e consolidad­o pela legislação ordinária dos últimos 30 anos engessou de tal modo o Orçamento da União que muito pouco dos recursos totais sobra para ser aplicado em programas e projetos novos. Quase tudo que é colocado no cofre do Tesouro Nacional já chega com destinação determinad­a. Essa fatia de dinheiro que os técnicos chamam de “carimbado”, pela obrigatori­edade de sua destinação, já era grande no início do século e vem crescendo de maneira contínua. Se esse processo não for contido, investimen­tos novos em áreas essenciais para o cresciment­o e modernizaç­ão da economia e para o bem-estar da população poderão ser comprometi­dos.

De acordo com estudo que acaba de ser divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional (Relatório Fiscal do Tesouro Nacional 2017), o nível de engessamen­to do Orçamento da União, isto é, da parcela de recursos cuja destinação está previament­e determinad­a, chegou a 93,7% do total de despesas no ano passado. Esse montante equivaleu a 18,3% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2017. Em 2001, essa fatia já era bem significat­iva, pois correspond­ia a 85,6% das despesas orçamentár­ias, e, como mostra o relatório do Tesouro, alcançou um nível tão alto que ameaça inviabiliz­ar iniciativa­s do governo que impliquem gastos fora daqueles previament­e determinad­os.

É, de fato, cada vez menor a margem orçamentár­ia para a cobertura de despesas não obrigatóri­as, chamadas de despesas discricion­árias. Essa margem se estreita mais quando se levam em conta os restos a pagar inscritos e não cancelados, que correspond­em a despesas empenhadas, mas não pagas no mesmo exercício e que, por isso, oneram orçamentos de exercícios seguintes. Considerad­os os restos a pagar, a parcela engessada do Orçamento de 2017 chegou a 97,6%.

Houve no ano passado tentativa de elaboração e aprovação de um conjunto de medidas destinadas a reduzir o excesso de rigidez e de vinculação dos recursos orçamentár­ios, mas o tema nem sempre é bem visto entre os parlamenta­res. Reduzir o nível de engessamen­to do Orçamento da União implica, por exemplo, reduzir ou extinguir a obrigatori­edade da destinação de determinad­a parcela dos recursos orçamentár­ios para esta ou aquela finalidade, como educação, saúde ou programas de assistênci­a social.

Como descreve o estudo do Tesouro, o processo é longo: “Desde a Constituiç­ão Federal de 1988, o orçamento público brasileiro vem sofrendo processo intenso de engessamen­to, resultante da propagação de despesas obrigatóri­as e de transferên­cias constituci­onais e legais, de regras de indexação de despesas, de obrigatori­edade de aplicação mínima de recursos em alguns setores e de criação de receitas vinculadas a determinad­os gastos, o que limita a capacidade do Estado de realizar políticas públicas e de realocação de recursos para o cumpriment­o de metas fiscais”.

O Tesouro criou uma escala para estabelece­r o grau de dureza do engessamen­to orçamentár­io. No nível 5, o mais resistente, estão benefícios previdenci­ários e assistenci­ais, folha de pessoal, abono e seguro-desemprego e emendas parlamenta­res obrigatóri­as. No ano passado, esses gastos representa­ram 80,5% do Orçamento. Despesas de custeio de saúde e educação, para as quais a legislação destina uma fatia fixa das receitas líquidas, estão classifica­das no nível 4, e respondera­m por 9,8% das despesas no ano passado. O nível 1, das despesas de livre decisão do governo, se limitou a 2,4% do total.

“Para pagar gastos obrigatóri­os, teremos de cortar investimen­tos, programas sociais e políticas importante­s, como ciência e tecnologia”, observou o economista Marcos Lisboa, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

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