Paciente nº 1 luta para sanar dano cerebral e quitar dívidas
Memória recente, coordenação fina, leitura e escrita de engenheira foram afetadas em decorrência da doença
Entubada, em coma e com o fígado destruído, a engenheira Gabriela Santos da Silva, de 27 anos, chegou ao Hospital das Clínicas no último 28 de dezembro com um quadro de difícil reversão até mesmo para os maiores especialistas no assunto. Os médicos ainda não tinham certeza do diagnóstico, mas a principal hipótese era de que a jovem havia desenvolvido uma hepatite fulminante por causa da febre amarela.
O que os especialistas sabiam era que a maioria dos pacientes que chegava àquele estágio da doença não sobrevivia e que a medicina, até então, não tinha uma opção viável para o tratamento. “Disseram que a única boa notícia que tinham para me dar era que a Gabriela estava no melhor lugar que poderia estar. Mas avisaram, com muito pesar, que a situação era tão grave que ela poderia morrer nas horas seguintes”, conta a mãe da jovem, a condutora escolar Rosália de Jesus Santos, de 49 anos.
No dia seguinte, a equipe do HC tomou uma decisão ousada: submeter a jovem a um transplante de fígado, procedimento até então inédito para infectados pela doença. A paciente foi colocada na fila de espera com grau máximo de prioridade e transplantada no dia 30, tornando-se a primeira no mundo com o vírus a passar pela técnica.
Três meses após o procedimento pioneiro que salvou sua vida, Gabriela está em casa, fora de risco, mas com dois novos desafios: reverter as sequelas neurológicas provocadas pelo vírus e arrecadar fundos para pagar as terapias de reabilitação e uma dívida de R$ 117 mil contraída em um hospital particular procurado após suposto erro de diagnóstico na rede municipal.
“Considerando o que a Gabriela passou, ela está ótima, mas algumas funções ficaram prejudicadas, como a memória recente, a coordenação fina, a leitura e a escrita”, conta a mãe.
Uma semana após a alta, em fevereiro, a paciente passou a receber em casa uma fonoaudióloga três vezes por semana para ajudá-la na reversão das sequelas. Com um mês e meio de terapia, a memória e a leitura foram parcialmente recuperadas, mas Gabriela ainda não consegue escrever e tem dificuldades com atividades que exigem mais precisão dos movimentos, como abotoar roupas e digitar.
Custos. A maior dificuldade para a família tem sido arcar com os custos da terapia: cada sessão custa R$ 200, num total de R$ 2.400 mensais. Como Gabriela trabalhava como autônoma, não tem renda enquanto se recupera. As despesas estão sendo pagas pela mãe e o padrasto, com o auxílio de doações de amigos e familiares.
Uma vaquinha online foi organizada para arrecadar fundos para o tratamento e o pagamento da dívida com o Hospital São Camilo, responsável por diagnosticar a jovem e transferi-la para o HC. Até agora, a ação arrecadou R$ 11 mil.
A família também estuda entrar com uma ação judicial pedindo que a dívida seja transferida para o Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que a jovem buscou a AMA Sorocabana, na Lapa, três vezes entre os dias 22 e 26 de dezembro e foi informada de que a suspeita era de dengue. Em uma das visitas, no dia 25, ela já tinha sintomas tão graves que foi transferida de ambulância para o PS de Pirituba, mas foi liberada pela médica da unidade. A Secretaria Municipal da Saúde disse que abrirá sindicância para investigar o atendimento prestado à jovem.
Ainda pouco à vontade para dar entrevistas, Gabriela recebeu o Estado em casa, mas preferiu que a mãe contasse sua história. Uma das poucas coisas que relatou foi a rapidez com que a doença evoluiu. “Na última vez que estive na AMA eu apaguei e só me lembro de acordar no HC, dias depois de fazer o transplante”, conta ela.
Sobre os momentos mais difíceis da recuperação, ela conta que o pós-operatório e algumas sequelas neurológicas a incomodam. “A parte da leitura e da escrita é o que mais me agonia, mas acho que já está caminhando para melhorar”, diz ela.