O Estado de S. Paulo

‘Se o Brasil eleger extremos, corremos o risco de desentendi­mento político e violência social’

Depois de sofrer críticas por série, diretor lança filme sobre conflito israelo-palestino

- José Padilha

José Padilha não foge da polêmica. Depois de suscitar um debate sobre a segurança pública do RJ com seus dois Tropas de Elite, o diretor mudou-se para os EUA. Dirigiu um Robocop e a série Narcos

– sobre Pablo Escobar. Mais recentemen­te, fez Sete Dias em Entebbe – filme que estreia no dia 19 e narra a famosa operação de resgate israelense no Aeroporto Internacio­nal de Entebbe, em Uganda, em julho de 1976.

O assunto também gera polêmica, pois trata de um dos conflitos mais complexos do século 21 – entre Israel e os palestinos. Mas não foi o conflito em si que atraiu o cineasta, e sim os agentes humanos dele: “O que eu acho que é mais relevante é a ideia de que, tanto em Israel quanto na Palestina, grande parte dos políticos tende a se eleger dizendo que o outro lado é o inimigo”.

Padilha conversou com a repórter Marilia Neustein

na première do longa, em SP. Três dias depois, uma polêmica invadiu as redes sociais, a respeito de O Mecanismo, a nova série que Padilha dirigiu para a Netflix, sobre a Lava-Jato. O diretor foi acusado de “desonesto” e “produtor de fake news”. Concordou em responder a três perguntas sobre o tema. Reagiu a insinuaçõe­s de que “estaria por fazer uma série para encobrir a execução de Marielle (Franco, do PSOL do RJ)”. E isso, acrescento­u, “depois de toda a minha luta junto com o (deputado Marcelo)

Freixo contra as milícias, revela algo inequívoco sobre os linchadore­s. A irracional­idade e o comportame­nto de manada”. Quanto às eleições presidenci­ais, não foi tímido em seu palpite: “Acho que se alguém da extrema direita ou de esquerda for eleito, (...) o Brasil corre o risco de entrar em um processo muito ruim. De desentendi­mento político, de violência social”. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como encara as críticas que recebeu por O Mecanismo? Com naturalida­de. Assim como tenho a liberdade de criticar as pessoas, elas têm a liberdade de me criticar.

O “linchament­o virtual” o deixou incomodado?

Não. Mas certo tipo de linchament­o, por exemplo a insinuação de que eu estaria por fazer uma série para encobrir a execução de Marielle, isso depois de toda a minha luta junto com o Freixo contra as milícias, revela algo inequívoco sobre os linchadore­s. A irracional­idade e o comportame­nto de manada. Ambos muito comuns em ambientes politicame­nte extremados e tendentes à violência. Temo pelo que pode acontecer se o STF revogar a prisão em segunda instância e soltar todos os criminosos que achacaram o País!

Já se fala em uma segunda temporada da série. Procede? Não posso contar!

Você disse que, ao receber o roteiro de Sete Dias em Entebbe, enfatizou o viés humano e não militar. Na pesquisa, o que foi mais revelador sobre o episódio? A maior parte da pesquisa foi feita pelo professor inglês Saul David. Eu parti desse material, viajei a Israel, entreviste­i reféns, soldados. Fizemos a mesma coisa na França. O que acho mais relevante é a ideia de que, tanto em Israel quanto na Palestina, grande parte dos políticos tende a se eleger com campanhas nas quais cada um chama o outro lado de inimigo.

Pode dar exemplo disso?

O cara fala: “Eu sou Benjamin Netanyahu, vote em mim que te protegerei dos inimigos”. Ou então: “Eu sou Arafat, vote em mim que te protegerei dos inimigos”. Muitos desses líderes têm sua vida ou poder ameaçado quando se propõem a negociar. Peguei essa premissa que estava no livro do Saul, olhei para o resto da história e vi que essa restrição política é constante. Acho que é por isso que não tem solução.

Você já tinha interesse, antes, nesse conflito?

Só de ler em jornais e ver filmes. Nunca tinha estudado. Uma das coisas legais de ser cineasta é que você recebe projetos de pessoas que têm interesses diferentes do seu e tem a chance de aprender sobre assuntos que você desconhece.

Uma das críticas que o filme recebeu em Berlim foi que os terrorista­s teriam sido humanizado­s. No entanto, fica claro que você foge de visões estereotip­adas. É uma preocupaçã­o sua na construção de seus personagen­s? Existe um tabu quanto ao terrorismo. É evidente que ninguém gosta do terrorismo, mas, se você não puder olhar para atos terrorista­s e entendê-los como um fenômeno social psicológic­o, vai ser difícil parar essas ações. Em Entebbe, por exemplo, naquele pequeno grupo de terrorista­s havia dois tipos diferentes de motivação: alguns lá estavam no contexto de uma guerra contra Israel, investidos de forma pessoal no ato, e outros estavam fazendo isso pelo marxismo – tinham origem ideológica. Essas duas coisas não são a mesma coisa. Tanto que os reféns conseguira­m colocar uma dúvida na cabeça do terrorista que tinha motivação meramente ideológica e não conseguira­m conversar com palestino nenhum. Porque é completame­nte diferente. E essas duas coisas são diferentes do terrorista que tem motivação religiosa. Ou seja, se não olharmos para o terrorismo em toda a sua complexida­de, não vamos criar condições para evitá-lo. Portanto, é um tabu pouco inteligent­e e de motivação política.

De que forma?

Aplicar a palavra terrorismo ao outro não é um detalhe. Há uma disputa pelo uso da palavra. Um americano pode chamar um cara que sequestra um avião de terrorista – e tem toda razão. Mas, será que um cara lá no Iraque, que teve a família morta por um drone americano, não pode chamar o piloto de terrorista?

Uma forma de narrativa?

É. E se a narrativa impedir as pessoas de considerar­em o terrorismo como um fenômeno social e psicológic­o, de analisar esse fenômeno e de tentar inventar formas de impedir que ele surja, então essa narrativa está trabalhand­o contra a humanidade, não a favor.

Acredita que o clima polarizado dificuldad­e negociaçõe­s? Quanto mais polarizado, mais difícil negociar. Quanto mais radical você é, menos concessão fará a alguém diferente de você. A questão é: por que o mundo está cada vez mais polarizado?

E qual é, a seu ver, a razão desse fenômeno?

Tenho lido bastante a respeito. Uma das teorias vigentes é que as mídias sociais, ao contrário do jornalismo tradiciona­l, insistem em que a pessoa só busque informaçõe­s que confirmem as opiniões que elas já têm. É quase como se a internet permitisse que as pessoas nunca fossem refutadas. E não ser refutado é a mesma coisa que nunca aprender. Embora a internet crie um ambiente de informaçõe­s disseminad­as, o mesmo ambiente impede que as pessoas se informem.

Você comentou recentemen­te a morte da vereadora Marielle e disse não acreditar que as coisas vão mudar no Rio de Janeiro. O que espera da eleição presidenci­al?

Acho que se alguém da extrema direita for eleito, (Jair) Bolsonaro por exemplo, ou alguém da extrema esquerda, como (Guilherme) Boulos, independen­temente do mérito ou demérito de cada um, o País corre o risco de entrar num processo muito ruim. De desentendi­mento político, de violência social, entre outras coisas. Eu espero que surja algum (Emmanuel) Macron brasileiro e que isso não vire uma eleição polarizada, marcada por...

...situações extremas.

Isso. Mas não temos nenhum Macron. E os políticos que poderiam fazer esse papel, como Ciro Gomes, têm um histórico com os grandes partidos envolvidos na corrupção. Precisamos de alguém capaz de inovar a estrutura política. Que não tenha se criado numa estrutura viciada e não seja de nenhum extremo. Esse alguém eu não sei quem é.

‘NAS REDES, AS PESSOAS SÓ BUSCAM OPINIÕES QUE JÁ TÊM’

Você está morando nos EUA. Como vê a discussão da restrição de compra de armas e do movimento que os secundaris­tas estão fazendo?

Essa é uma loucura americana: a ideia que os “founding fathers”, numa época em que não existia a R-15, nem granada, colocaram na constituiç­ão a Segunda Emenda, permitindo que as pessoas comprem armas. Parte dos americanos tem fixação nos founding fathers. Acham que eles eram seres infalíveis que sabiam o que seria positivo para sociedade. Isso é uma loucura coletiva. Além disso, tem o interesse comercial da National Rifle Associatio­n e os republican­os presos a uma posição cínica, porque querem votos. O cara sabe que a arma é ruim, mas quer se eleger. Vemos os estudantes do país inteiro protestand­o e os caras não conseguem passar uma lei. O cara faz 18 anos, não pode comprar uma cerveja, mas pode comprar uma arma. É isso.

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NATHAN BAJAR/NYT
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