O Estado de S. Paulo

‘Nada a Perder’ faz polêmica com episódio da Record

Processo contra o bispo Edir Macedo dá o tom para longa que estreou com recorde de bilheteria

- Luiz Carlos Merten

Talvez fosse necessária uma auditoria. Nada a Perder – Contra Tudo. Por Todos, a cinebiogra­fia do bispo Edir Macedo por Alexandre Avancini, estreou na quinta, 29, alardeando números grandiosos. O longa vendeu antecipada­mente 4 milhões de ingressos, o que o converte no maior sucesso de bilheteria do cinema brasileiro no ano, até agora. Sucesso de bilheteria, mas não de público. O Estado constatou que o filme estreou para salas praticamen­te vazias.

A auditoria poderia ser para constatar quantos, dos ingressos vendidos, correspond­eram a espectador­es que realmente viram o filme. Pode parecer injusto – os ingressos foram comprados. Mas a injustiça é com os filmes que são vistos e permanecem abaixo desse total.

Nada a Perder é sobre uma fraude – o julgamento viciado a que foi submetido o bispo, pelo menos essa é a tese defendida pelo diretor Avancini em sua ficção.

Nada a Perder começa justamente com a prisão do bispo. Uma perseguiçã­o nas ruas, ele é tirado de dentro do carro e algemado diante da mulher e da filha. Os policiais mais parecem bandidos, agem com truculênci­a e sua arrogância vai permanecer por todo o filme.

A prisão ocupa o começo e o fim, e ‘durante’ o filme conta a história de Dedinho, o menino estigmatiz­ado por uma má formação congênita nas mãos e que cresce revoltado – contra Deus. Mas ele não se revolta só pelo próprio problema. Sofre pela irmã, com sua dificuldad­e de respirar, sofre pelos pobres. Seu sonho é a evangeliza­ção, e para realizá-lo,

Edir vai fundar a própria igreja. A Universal do Reino de Deus. Con- tra tudo, por todos.

E o roteiro chega ao xis da questão. Para aumentar sua força evangeliza­dora, Edir precisa de uma TV. Compra a Record e é alvo de uma investigaç­ão que o filme mostra como complô de políticos, empresário­s do ramo e representa­ntes da Igreja Católica. O juiz é corrupto e faz parte do grupo que o acusa de falsidade ideológica e crimes contra a fé – charlatani­smo. No limite, Edir é salvo pelo Plano Collor, que derruba as dívidas em dólar, e pelas orações do povo, que faz vigília diante da cadeia. Nada a Perder é sobre a força do povo, a força (interior) do homem íntegro.

Naturalmen­te que essa exaltação do homem puro, do homem simples – Edir – toma ares de hagiografi­a. Em bom português, o filme é chapabranc­a, mas a discussão jurídica que atravessa Nada a Perder (roubou? Não roubou?) não deixa de refletir, como um espelho, dúvidas que assolam o Brasil real. Ah, sim. Edir chega à Polícia Federal – no filme, os coletes dizem Civil –, chama a agente de ‘minha filha’. Ela reage – não é ‘filha’. Você já viu isso, com outros termos e personagen­s.

O diretor Alexandre Avancini, filho de Walter, já provocou polêmica com Os Dez Mandamento­s, outro megassuces­so de bilheteria – a maior do cinema brasileiro – que não foi referendad­o pelo público. Os Dez Mandamento­s era uma súmula da novela. Condensar uma novela inteira em duas horas, dar um mínimo de coerência à história e aos personagen­s não representa pouco. Desta vez, Avancini não trabalha sobre imagens já captadas. Ele filmou, e contou com bons atores – Petrônio Gontijo e Day Mesquita, que fazem Edir e a mulher, Ester.

Avancini não quis dar entrevista, não mostrou o filme para a imprensa. Seria interessan­te discutir com ele o subtexto político de sua história. No final, a surpresa – aliás, duas. O filme termina em aberto, prometendo uma sequência. E o próprio bispo marca presença, convidando o público para orar na poltrona.

O FILME É CHAPABRANC­A, MAS UMA DISCUSSÃO JURÍDICA ATRAVESSA O FILME

 ?? PARIS ENTRETENIM­ENTO/REDE RECORD ?? Petrônio Gontijo. Como Edir Macedo: diretor Avancini contou com bons atores
PARIS ENTRETENIM­ENTO/REDE RECORD Petrônio Gontijo. Como Edir Macedo: diretor Avancini contou com bons atores

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