O Estado de S. Paulo

O Holocausto visto em imagens de extremo rigor

Em ‘Árvores Vermelhas’, a cineasta Marina Willer conta a história de sua família, que emigrou de Praga para o Brasil

- Luiz Zanin Oricchio

É bastante sensível a abordagem do Holocausto proposta por Árvores Vermelhas, de Marina Willer, em cartaz nos cinemas. Brasileira, radicada em Londres, Marina refaz essa história a partir das memórias do seu pai, Alfred Willer, que para cá emigrou e construiu sólida carreira de arquiteto.

Alfred é originário de Praga. Antes da guerra, lá viviam 300 mil judeus. Após a perseguiçã­o nazista, restaram apenas 12 famílias, inclusive a de Willer.

Aparenteme­nte, foram em parte poupados graças aos conhecimen­tos científico­s do pai de Alfred, um químico talentoso, responsáve­l pela descoberta da técnica de produção industrial do ácido cítrico. Esse produto tem grande importânci­a na conservaçã­o dos alimentos.

Essas informaçõe­s vão sendo destiladas ao longo do relato que, no entanto, obedece a outra lógica, à de um ensaio poético. Trata-se menos de fazer um inventário linear dos horrores nazistas que produzir uma peça ensaística, na qual prevalecem a memória, cadernos de anotações, falas, impressões. E, por fim, uma viagem de Alfred ao país natal, aos 75 anos. Em seu passeio por lugares da infância, Alfred completa o mosaico de recordaçõe­s que tece a história de sua família e de suas origens.

Os aspectos gráficos e sensoriais determinam a linguagem do filme. A narrativa em off, da própria cineasta, em inglês, desenvolve-se sobre imagens de muito rigor, como saídas da prancheta de um arquiteto visual. O trabalho de cores e nuances é estupendo. O fotógrafo é o grande César Charlone que, entre outras obras, assina o antológico Cidade de Deus, de Fernando Meirelles.

Essa exatidão das imagens não implica frieza. Pelo contrário, Árvores Vermelhas é todo banhado numa emoção doce, que não se cede nem mesmo quando a memória alcança o horror dos fatos vividos ao longo da 2.ª Guerra. É como se um distanciam­ento sereno o prevenisse de excessos ou recaídas melodramát­icas. De resto inúteis – a tragédia humana está toda lá e não é preciso reforçá-la para que ganhe efeito maior.

A Shoah é tratada com pudor, digamos assim. E, por isso mesmo, sentimos essa dor compartilh­ada com maior intensidad­e.

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COHEN MEDIA GROUP O pai. Alfred Willer construiu sólida carreira de arquiteto

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