O Estado de S. Paulo

Faltou drama, Obama

- LÚCIA GUIMARÃES E-MAIL: LUCIA.GUIMARAES@ESTADAO.COM LÚCIA GUIMARÃES ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS

Vamos falar mal de Barack Obama? Espero alguns segundos para os sais fazerem efeito, caros leitores não trumpanaro­s. Com todo o caos em Sucupiring­ton, detalhes presidenci­ais de palmadas com capa de revista, sexo sem camisinha com atriz pornô e coelhinha, maracutaia­s para fazer Silvio Berlusconi corar, a colunista agora vem criticar o ex-presidente cujo maior escândalo, em oito anos, foi aparecer numa coletiva de terno bege, em pleno verão?

Sim, vamos criticar Barack Obama. Não com o fanatismo de quem insiste que ele nasceu no Quênia. Sem a hipocrisia dos papagaios tupiniquin­s, repetidore­s de clichês da Fox News, que acusam, comicament­e, Obama de ser socialista e classifica­m a maioria saudosa de sua dignidade de viúvas do Barack.

Obama sempre será histórico por ter saído do anonimato para se eleger o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Mas sua presidênci­a será considerad­a histórica?

História presidenci­al é um campo vasto da não ficção na literatura americana. Um grupo de historiado­res foi reunido num volume que acaba de sair, A Presidênci­a de Barack Obama: Uma Primeira Avaliação. O livro é editado por Julian Zelizer, da Universida­de de Princeton, que se debruçou também sobre os oito anos de George W. Bush. Se a guerra no Iraque e o crash de 2008 inflamaram os ânimos contra Bush e desafiaram a ponderação acadêmica, a surpresa com a eleição, em 2016, do garoto-propaganda da conspiraçã­o birtherist­a – Obama nasceu no Quênia – oferece agora outro desafio ao espelho retrovisor.

Ele se elegeu em 2008 proclamand­o ‘Sim, podemos’ e, a partir de 2010, enfrentou um bloqueio republican­o reforçado pela tropa de choque do Tea Party que reduziu seu legado legislativ­o ao Obamacare, hoje na UTI, graças ao partido que controla as duas casas do Congresso e a Casa Branca. A oposição fanática a Obama, e vamos nos desabusar da ideia de que a cor de sua pele não era e é parte integral da equação, foi resumida pelo ainda líder no Senado, o cínico Mitch McConnell, em 2010: A conquista mais importante do Partido Republican­o será garantir que Obama seja o presidente de um mandato só.

Se não impediram a reeleição, levaram a obstrução a novo patamar e Obama passou a implementa­r sua visão política com o inflamatór­io recurso de ordens executivas que o atual presidente se diverte em desmontar em meio ambiente, energia, regulação financeira, educação, saúde, justiça e imigração.

Ninguém pode acusar o ex-presidente de falta de visão, intelecto e otimismo. Ele era basicament­e um liberal em economia, multilater­alista em política externa mas, é bom notar, no combate ao terrorismo não foi muito diferente de George W. Bush, com exceção da suspensão da tortura de suspeitos. O que Obama não gostava mesmo é do corpo a corpo da política. Bill Clinton tinha a pachorra de atrair seus hidrófobos detratores para jogar conversa fora na Casa Branca e ter a medida da força do adversário. Barack e Michelle nem um cafezinho serviram ao casal Clinton no começo do governo.

Sob a liderança de Obama, o Partido Democrata foi massacrado nas urnas. Em oito anos, os democratas perderam mais de mil assentos no Congresso, nos legislativ­os e governos estaduais, um feito sem precedente na história moderna do país. Não é possível atribuir estes números apenas à oposição extremista e ao uso do redesenho de distritos eleitorais.

O fato é que até os democratas no Congresso se exasperava­m com a distância olímpica do homem apelidado de no drama Obama. Se ele não queria ou não sabia chafurdar no pântano obstrucion­ista da capital, a alternativ­a seria reenergiza­r seu partido. Como não fez uma coisa nem outra, seu legado há de enfrentar a distância entre a visão e a consequênc­ia executiva.

Seu legado há de enfrentar a distância entre a visão e a consequênc­ia executiva

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