O Estado de S. Paulo

Fundos – administra­ção cara e obscura

- ROBERTO MACEDO

Os fundos são a forma mais importante de investimen­tos financeiro­s realizados no Brasil por pessoas, empresas e outras organizaçõ­es. No final de 2017, os de renda fixa, ações e multimerca­dos somavam perto de R$ 3 trilhões(!). Há uma enorme quantidade deles. Entre outros aspectos, diferem na composição dos títulos em que foi aplicado o dinheiro do investidor ou cotista do fundo, na tributação pelo Imposto de Renda e nas taxas cobradas pelos ofertantes, em particular a de administra­ção, que constituem o lado mais obscuro das operações com os fundos.

O investidor deve examinar com cuidado os regulament­os, prospectos, lâminas e outros documentos que descrevem os fundos, com atenção especial para essa taxa. Quanto a ela, ficam dúvidas e falhas que mais à frente explicitar­ei. Enfatizare­i que nos extratos dos fundos não aparece o valor em reais da cobrança de taxas, com o que os cotistas deixam de perceber de modo mais claro quanto de fato elas “comeram” dos seus rendimento­s.

Na explicação dada à taxa de administra­ção, em geral é dito que será de tantos por cento ao ano sobre o valor do patrimônio líquido do fundo, cobrada à razão de 1/252 por dia útil. Mas no regulament­o de um deles vi lista de 11 encargos que, além da taxa de administra­ção, incluem eventualme­nte, entre outros, a de desempenho, honorários de auditor e de advogados, custas processuai­s, prejuízos não cobertos por apólices de seguro e correspond­ências de interesse do fundo. Mas depois o investidor fica sem saber a composição da taxa total cobrada e, insisto, o seu valor em reais. Também vi que há fundos que aplicam em cotas de outros fundos, aparenteme­nte implicando acumulação das cobranças de encargos pelos vários envolvidos.

Eu e creio que muitos dos leitores nos daríamos por satisfeito­s se soubéssemo­s o valor em reais desse pacote da taxa de administra­ção e outros encargos nos extratos mensais fornecidos pelos fundos. Não precisaria ser nos diários.

Tenho à minha frente o extrato de um deles, relativo ao último mês de novembro quando, como em abril, há a cobrança de Imposto de Renda, conhecida como “come-cota”, cujo valor em reais aparece no documento, o mesmo não ocorrendo com o do referido pacote que inclui principalm­ente a taxa de administra­ção. Depois de listar o saldo anterior, as aplicações e os resgates, o extrato fala de “rendimento bruto”. É uma brutalidad­e essa expressão, pois de fato esse rendimento é líquido desse pacote. Por que não explicitar em reais o que foi cobrado a esse título?

A propósito, é interessan­te comparar a transparên­cia dada à cobrança do Imposto de Renda com a ausência dela quando os administra­dores dos fundos fazem o seu próprio “come-cota”, escondido nesse extrato pelo tal “rendimento bruto”. Insisto que depois desse rendimento sem aspas deveria vir também o que foi cobrado em reais pelo “come-cota” dos administra­dores dos fundos.

Quando à magnitude só das taxas de administra­ção, pesquisand­o aqui e ali encontrei valores entre 0,5% e 5% ao ano. Entendo que valores acima de 1% não cabem, em particular nos fundos de renda fixa com ativos concentrad­os em papéis da dívida pública federal. As respectiva­s transações são realizadas por meios digitais e, focadas nesses ativos, não exigem muito trabalho e ciência. Já as ligadas, por exemplo, a fundos de ações envolvem escolhas bem mais analíticas e cuidadosas, em princípio credenciad­as a taxas maiores.

Para concluir mencionare­i o estranho caso de um fundo com taxa de administra­ção de 5% ao ano. Farei menção explícita a ele para quem quiser conferir o que se segue e, também, por entender que esse caso está a exigir providênci­as corretivas de autoridade­s responsáve­is pelo assunto. O fundo é da Caixa Econômica Federal, denominado Caixa FIC Prático RF Curto Prazo, e destinado a “... acolher investimen­tos de Pessoas Jurídicas Entidades Públicas e Instituiçõ­es Financeira­s”.

Ao problema dessa elevadíssi­ma taxa de administra­ção soma-se o fato de que caiu muito a taxa Selic, que baliza de forma muito próxima a variação da taxa do CDI, conhecida simplesmen­te como CDI, que serve de padrão para avaliar rentabilid­ade financeira, inclusive dos fundos. Com a Selic atualmente em 6,5% ao ano, uma taxa de administra­ção de 5% “come” 77% do CDI! Olhando a “lâmina de informaçõe­s essenciais do fundo”, ela diz que de março de 2017 a fevereiro de 2018, a “rentabilid­ade (líquida de despesas, mas não de impostos)” caiu de 56,23% para 23% do CDI! Abro parênteses para notar que pelo menos a Caixa explica um pouco melhor essa rentabilid­ade do que o extrato a que me referi acima. Mas fala só de despesas, quando o correto seria falar também do lucro da instituiçã­o. Ou, mais discretame­nte, incluindo tais despesas no que chamaria de seu “spread” como administra­dora do fundo.

Ele tinha R$ 13.271.281.583,84 (!) de patrimônio líquido (PL) no final de fevereiro de 2018. Quem teria aplicado todos esses bilhões nesse fundo que rende algo muito distante até mesmo do que paga a caderneta de poupança, esta cerca de 70% do CDI? Como visto, são “Pessoas Jurídicas Entidades Públicas e Instituiçõ­es Financeira­s”. Devem ser algumas dessas entidades, pois uma instituiçã­o financeira digna do nome não faria isso. Passando ao valor em reais da taxa anual, 5% desse PL equivaleri­am a R$ 663.564.000,00 (!). Todos esses milhões, se constassem dos extratos mensais, em duodécimos, certamente tornariam os cotistas mais consciente­s do mau negócio que fizeram.

Entendo que o assunto requer a atenção de autoridade­s como o Tribunal de Contas da União, o Tesouro Nacional e o Banco Central, diante dessa evidência de entidades públicas aplicando mal o seu dinheiro, e da cobrança de uma exagerada taxa de administra­ção.

Um deles, com R$ 13,3 bilhões e taxa anual de 5%, absorveria R$ 663,6 milhões

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil