O Estado de S. Paulo

‘Não tomaremos atitudes voluntario­sas’, diz Ilan

Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central Presidente do BC fala sobre as medidas que a instituiçã­o está tomando para reduzir os juros para os consumidor­es

- Fernando Dantas

O presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, disse em entrevista ao Estadão/Broadcast que o País tem de encarar os seus problemas de forma estrutural, pela raiz – e o spread bancário é um deles. Segundo ele, lidar só com os sintomas leva a decisões voluntario­sas e equivocada­s. “Nós estamos atacando o problema, mas não vamos tomar atitudes voluntario­sas que já deram errado no passado”, disse. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

• Os dados de atividade estão decepciona­ndo e a inflação e os núcleos estão muito abaixo da meta. O BC ficou atrás da curva no ciclo de queda da Selic?

Tivemos uma mudança relevante da economia brasileira, que é a queda da inflação de dois dígitos para algo em torno de 3%, uma grande conquista. Houve a volta do cresciment­o depois de uma recessão de dois anos, para um ritmo que acredito esteja em torno de 2,5% ou 3%. A expectativ­a dos analistas do Focus é que este ano feche em 2,9% e o ano que vem em torno de 3%, que é mais ou menos o que a economia está crescendo na sua tendência. É claro que vamos ter momentos de cresciment­o menor e maior, mas a tendência parece ser essa. É uma recuperaçã­o gradual.

• Por falar nisso, há uma discussão sobre a possibilid­ade de o juro neutro na economia brasileira ter caído.

Temos que olhar e reestimar a taxa real neutra ao longo do tempo. Na ata tem uma frase que sempre repetimos e que continua válida, de que os ajustes e reformas tendem a reduzir a taxa de juros estrutural, a neutra. Por uma questão de lógica sabemos que algumas medidas do passado tendem a ajudar essa queda, outras infelizmen­te ainda não foram implementa­das. E temos que olhar na prática a economia e ver o que está acontecend­o.

• A Selic caiu, mas o spread bancário caiu menos. Há um problema de cartel? O BC tem uma agenda para lidar com esse problema, mas não seria necessário tomar medidas mais contundent­es?

Temos que encarar os problemas do Brasil – e o spread bancário é um deles – de forma estrutural, pela raiz. Lidar só com os sintomas leva a decisões voluntario­sas e equivocada­s. Isto já foi feito no Brasil no passado em várias áreas, o que reflete esse anseio de soluções em dias ou semanas para problemas de décadas. Nessa área de spread, houve uma tentativa desse tipo há alguns anos. Nós hoje estamos atacando o problema, mas não vamos tomar atitudes voluntario­sas que já deram errado no passado. Nada forçado, que possa dar resposta no curtíssimo prazo, mas que volta pior depois.

• Mas então por que o spread custa tanto a cair?

No último Relatório de Inflação há um boxe sobre o que ocorreu com os juros, de todos os tipos. O que se observa é que, nos últimos cinco episódios de flexibiliz­ação monetária, desde 2003, e incluindo este agora, a queda dos spreads ocorreu de forma mais ou menos parecida, em média. Isto significa que o spread está caindo. Há uma defasagem entre a queda da Selic e do spread, da mesma forma que, quando a Selic sobe, o spread demora mais a subir.

• E qual é a forma correta de lidar com o problema?

Temos um projeto para o setor bancário, a agenda BC+, que começamos no primeiro dia. Em primeiro, estamos atacando a questão das garantias. Sabemos que, quando há garantia, o juro cai muito. Aprovamos a garantia eletrônica, por exemplo. Em segundo vêm os custos operaciona­is. Nisso, o sistema financeiro do Brasil se destaca negativame­nte no resto do mundo. Há as ações trabalhist­as, causas na Justiça. A reforma trabalhist­a pode ajudar nesse item. Também estamos trabalhand­o a questão da informação. O que a nós parece muito intuitivo, as vantagens do cadastro positivo para o consumidor, que permite um crédito mais barato, cria receios, de que a informação vai ser perdida, ou usada de forma negativa. Mas estamos conciliand­o e já estamos quase na segunda votação: a primeira foi no Senado e ontem passou a leitura do relatório na Câmara.

• Mas os juros do cartão de crédito e do cheque especial permanecem muito elevados, não?

São os produtos especiais, uma questão que também estamos abordando. O juro do cartão rotativo é alto porque o setor tem muito subsídio cruzado. Nós mudamos as regras do rotativo e acabamos com a bola de neve. Depois de 30 dias, tem que oferecer uma alternativ­a. E a taxa de juros no rotativo regular caiu pela metade. Ok, a gente quer que caia mais, para um quarto, mas ninguém pode dizer que está caindo devagar. Em segundo lugar, o Congresso aprovou a lei que permite a diferencia­ção de preço do pagamento à vista. E no cheque especial vai ter uma regulação na Febraban.

• Mas há também a questão da concorrênc­ia.

Também estamos trabalhand­o nisso. Há um ano e meio nós dividimos o sistema bancário em cinco, de S1 a S5. O S1 são os cinco maiores bancos, o S5 todas as cooperativ­as. Nós exigimos muito mais em termos de regulação do S1, e muito menos das cooperativ­as. No meio do caminho, adotamos a proporcion­alidade, aliviando os menores e trazendo toda a Basileia (regras de regulação bancária) para os maiores.

• E as fintechs, novas empresas de tecnologia que atuam no setor financeiro e de crédito?

É a nossa segunda frente. Houve audiência pública e vai sair ainda este mês uma regulação sobre as fintechs de crédito. Adotamos semana passada duas medidas muito importante­s. Primeiro, se permitiu que todas as instituiçõ­es de pagamento não bancárias tenham acesso sem nenhuma dificuldad­e ao débito automático, à transferên­cia. A segunda medida foi limitar quanto uma bandeira (de cartão de débito) paga para as credenciad­oras, aumentando a competição no mercado de débito. E finalmente, aprovamos há duas semanas a facilitaçã­o da portabilid­ade da conta salário. Agora, para mudar de banco você vai para o banco receptor, que pode mandar um comando para o seu banco para mudar.

“O juro do cartão rotativo é alto porque o setor tem muito subsídio cruzado. Nós mudamos as regras do rotativo e acabamos com a bola de neve”

“É claro que vamos ter momentos de cresciment­o menor e maior, mas a tendência parece ser essa. É uma recuperaçã­o gradual”

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ADRIANO MACHADO/REUTERS Raiz. Ilan vê questões na base

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