O Estado de S. Paulo

Lula, ‘El Cid de São Bernardo’

Petistas trataram a decisão do STF como um atentado “contra o País e sua soberania”.

-

Como era previsível, os petistas trataram a decisão do Supremo Tribunal Federal de rejeitar o habeas corpus para o ex-presidente Lula da Silva como um atentado “contra o País e sua soberania, contra o processo democrátic­o, contra o povo brasileiro”. Assim, o PT e seu chefão outra vez reafirmam sua natureza autoritári­a – para o partido, só são democrátic­as as instituiçõ­es que se ajoelham perante o demiurgo de Garanhuns, pois este, segundo a mitologia lulopetist­a, é “o maior líder popular do País” e o “candidato da esperança” do “povo brasileiro”, conforme se lê na nota oficial do PT a respeito da nova derrota judicial, que o partido classifico­u como “um dia trágico para a democracia”.

A mesma nota afirma que “a Constituiç­ão foi rasgada por quem deveria defendê-la”, que “Lula é inocente” e que “isso será proclamado num julgamento justo” – como se todos os reveses sofridos em nada menos que quatro instâncias judiciais tivessem sido clamorosam­ente injustos. Pode-se depreender que, das duas, uma: ou Lula da Silva acredita que a justiça dos homens não está à altura de seus predicados e que só lhe resta esperar a absolvição no Juízo Final ou o ex-presidente ainda aposta que algum truque chicaneiro possa ser bem-sucedido para livrá-lo da cadeia ou para tirá-lo de lá em pouco tempo – e, de quebra, lhe permita candidatar-se a presidente da República. Nesse caso, se Lula for bem-sucedido, seria a desmoraliz­ação completa do Judiciário, mas, a julgar pela sessão do Supremo que lhe negou o habeas corpus, tal rabulice dificilmen­te encontrará guarida naquele tribunal – a não ser que alguns de seus ministros resolvam fazer política, e da pior espécie.

A defesa de Lula, por sua vez, informou que tem “a firme expectativ­a de que essa condenação será revertida por um órgão justo, imparcial e independen­te”, provavelme­nte aludindo a algum tribunal internacio­nal no qual esses advogados pretendem denunciar a “perseguiçã­o política” a seu cliente. Para esse fim, a defesa quer demonstrar que a rejeição do habeas corpus “viola a dignidade da pessoa humana e outras garantias fundamenta­is”.

Foi nessa mesma linha o exministro do Supremo Sepúlveda Pertence, que auxilia a defesa de Lula, ao dizer que “enterrou-se uma garantia fundamenta­l” – referindo-se ao artigo constituci­onal segundo o qual ninguém será considerad­o culpado até o trânsito em julgado da sentença. Pouco importa que o próprio Sepúlveda, quando era ministro do Supremo, em 2002, tenha rejeitado habeas corpus para um réu dizendo que “a presunção constituci­onal de não culpabilid­ade (...) não inibe, porém, a execução penal provisória da sentença condenatór­ia”, conforme a “jurisprudê­ncia sedimentad­a”. O que interessa, no momento, é transforma­r Lula em mártir de um regime “golpista”.

Sem a mais remota chance de prosperar em nenhuma corte internacio­nal, tal libelo no entanto servirá para enxovalhar mais um pouco a imagem do País no exterior, último grande desserviço do sr. Lula da Silva ao Brasil. Não por acaso, o único gesto de solidaried­ade internacio­nal que Lula recebeu até agora partiu do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e do autocrata boliviano, Evo Morales. “Não só o Brasil, o mundo inteiro te abraça, Lula. Dói a alma essa injustiça”, escreveu Maduro no Twitter. Já Morales afirmou que “a verdadeira razão da condenação do irmão Lula é impedir que ele volte a ser presidente”.

Esse deverá ser o mote do PT daqui para a frente. Mesmo que seu líder esteja preso, o partido defenderá a candidatur­a de Lula “nas ruas e em todas as instâncias, até as últimas consequênc­ias”. Como se fosse uma espécie de “El Cid de São Bernardo”, o cadáver político de Lula será colocado sobre o cavalo petista para desmentir o boato sobre sua morte (eleitoral) e amedrontar adversário­s.

Cada vez mais, contudo, da lenda em torno do “Campeador” Luiz Inácio resta apenas a figura patética do líder político que entrará para a história não como o estadista e defensor dos pobres que julga ser, mas como um oportunist­a condenado a vários anos de prisão por ter se lambuzado do poder.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil