O Estado de S. Paulo

O domínio da impunidade

- CELSO MING E-MAIL:

As duas consequênc­ias mais importante­s da decisão do Supremo na plenária da quarta-feira foram autorizar o juiz Sérgio Moro a decretar a prisão do ex-presidente Lula e excluí-lo das próximas eleições.

Mas continua sobre a sociedade ameaçadora espada de Dâmocles. Em nome do princípio de presunção de inocência, o Supremo pode votar uma Ação Declaratór­ia de Constituci­onalidade (ADC) que impeça o cumpriment­o da pena enquanto não se esgotarem todas as instâncias jurídicas à disposição do acusado.

Por enquanto, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, não parece disposta a pautar exame dessa matéria que é de entendimen­to contrário ao que passou a vigorar em 2016. Mas em setembro ela será substituíd­a pelo ministro Dias Toffoli, que tem outras prioridade­s.

Como deixou claro em seu voto, a ministra Rosa Weber defende a prevalênci­a do princípio da presunção de inocência. Só votou de maneira diferente por entender que o Supremo não pode decidir cada vez de um jeito. Como outros cinco ministros pensam como ela, bastaria que essa ADC fosse votada para que quase certamente se soubesse previament­e seu resultado.

Assim, se fosse revogada a obrigatori­edade de cumpriment­o de pena após a segunda instância, graves consequênc­ias estariam a caminho nas áreas jurídica e política e, também, na econômica.

Ficaria consagrado, por exemplo, o que foi chamado nas últimas semanas de princípio Lula, por meio do qual as penas impostas por condenaçõe­s de primeira e segunda instâncias pudessem ser suspensas até o esgotament­o dos recursos judiciais. Na prática, qualquer acusação poderia ser empurrada indefinida­mente e caducar por simples decurso de prazo.

Seria decisão que não beneficiar­ia só políticos, funcionári­os públicos e empresário­s corruptos, mas, também, formadores de quadrilha, operadores de práticas de lavagem de dinheiro e criminosos comuns, como condenados por latrocínio, homicídio, estupro e tudo o mais. Nada menos que 40% dos que estão presos no Brasil não passaram sequer pelo primeiro julgamento.

A mesma lógica da presunção de inocência assim interpreta­da poderia ser evocada para esvaziar a Lei da Ficha Limpa. Se ninguém pode ser obrigado a cumprir pena a que foi condenado sem que todos os trâmites processuai­s tenham sido concluídos, também não faria sentido recusar a candidatur­a de um político apenas porque foi condenado “por órgão judicial colegiado”.

Outra consequênc­ia da possível aprovação de uma ADC assim concebida seria o súbito esvaziamen­to de uma das maiores conquistas contra a corrupção endêmica no Brasil obtida nos últimos quatro anos pela Operação Lava Jato. Ficaria entendido que haveria recursos sem conta e sem prazo, para quem quisesse e para quem pudesse, até que a prescrição arquivasse tudo.

Em outras palavras o recado seria de que a impunidade deixaria de ser apenas excrescênc­ia do sistema judicial do Brasil e passaria a ser regra geral consagrada. Dependeria somente de que fossem acionados os canais e os meios adequados a isso.

O domínio da inseguranç­a e da impunidade não se limitaria ao jogo da política e da criminalid­ade comum. Estenderse-ia aos conflitos na área econômica. E isso constitui custo extra a todo o sistema produtivo. Como não pode ser claramente mensurável, obrigam os agentes econômicos a trabalhar com margens largas demais para viabilizar seu negócio.

 ?? DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 4/4/2018 ?? STF. O que ainda pode vir?
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 4/4/2018 STF. O que ainda pode vir?
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil