O Estado de S. Paulo

O alívio da confraria

- •✽ ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

Em artigo publicado neste mesmo espaço, em novembro do ano passado (Instinto de sobrevivên­cia, 17/11), chamei a atenção para o clima de apreensão na economia com as dificuldad­es de aglutinaçã­o das forças políticas de centro, ameaçadas de se verem imprensada­s na disputa presidenci­al por duas candidatur­as fortes, à esquerda e à direita do espectro político. Já não faltava então quem arguisse que, até por simples instinto de sobrevivên­cia, os partidos de centro teriam de tentar se aglutinar em torno de uma mesma candidatur­a.

Em flagrante autoplágio, permito-me reproduzir aqui, nos três parágrafos abaixo, as ponderaçõe­s que então fiz acerca do centro político e seu suposto instinto de sobrevivên­cia.

Quando a resultante de um sistema de forças se afigura surpreende­nte, há que indagar se há outras forças importante­s em jogo que não estão sendo considerad­as. No caso, as forças que talvez não estejam sendo levadas devidament­e em conta são as provenient­es de uma aliança tácita, cada vez mais poderosa, fundada num mesmo temor que hoje perpassa, da esquerda à direita, as cúpulas de todos os partidos políticos de maior expressão: a preocupaçã­o com os desdobrame­ntos da Lava Jato e operações similares.

Desse temor compartilh­am correligio­nários e adversário­s: Temer e Lula, grande parcela dos governador­es e parte substancia­l dos membros do Congresso Nacional. Mais de 20% dos congressis­tas hoje enfrentam dificuldad­es com tais operações. E, é bom que se diga, não se trata do baixo clero. Está aí incluída boa parte dos parlamenta­res mais proeminent­es do Congresso. Não há, portanto, como ter dúvidas sobre quão poderosa pode ser essa numerosa Confraria dos Atingidos pela Lava Jato e operações similares, designação que talvez possa ser encurtada para Calajato.

A análise baseada no instinto de sobrevivên­cia faz sentido. Mas é importante ter em conta a real natureza do instinto de sobrevivên­cia que, de fato, vem pautando o comportame­nto de boa parte dos principais atores políticos envolvidos. O que os move não é a preocupaçã­o com a sobrevivên­cia das forças políticas de centro e, sim, com sua própria sobrevivên­cia, num sentido muito mais estrito e elementar: salvar a própria pele e escapar da Lava Jato.

A evolução do quadro político do País nas últimas semanas vem trazendo novas e contundent­es evidências de quão bem defendidos têm sido os interesses mais básicos da confraria.

Já há algum tempo, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem sendo fortemente pressionad­o para que altere a jurisprudê­ncia firmada no final de 2016, sobre a possibilid­ade de prisão de réus condenados em segunda instância. E, aos poucos, ao longo dos últimos meses, tornou-se cada vez mais claro que essa jurisprudê­ncia deixara de contar com o apoio da maioria dos ministros.

Seria mais compreensí­vel se o surgimento de nova maioria, com entendimen­to divergente sobre essa questão, tivesse decorrido de alterações na composição do STF, na esteira da substituiç­ão de ministros. Mas não foi o que ocorreu. A nova maioria adveio de simples mudança de posição do ministro Gilmar Mendes que, qual pluma ao vento, se permitiu passar a defender posição diametralm­ente oposta à que defendera há menos de um ano e meio.

Quem quer que se interesse por entender o que vem ocorrendo no STF não pode deixar de testemunha­r a convicção e a contundênc­ia com que o ministro defendeu sua posição anterior, em voto proferido em novembro de 2016, bem documentad­o em vídeo amplamente disseminad­o na internet.

Ainda que o pedido de habeas corpus de Lula tenha sido negado, graças à deferência da ministra Rosa Weber pela jurisprudê­ncia firmada em 2016, o julgamento do STF deixou mais do que claro que a legalidade da prisão de réus condenados em segunda instância parece estar com os dias contados. Para enorme alívio da confraria.

Quanto à aglutinaçã­o das forças políticas de centro, ainda não parece haver pressa.

Interesses dos atingidos pela Lava Jato vêm sendo bem defendidos em Brasília

✽ ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA­DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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