VIGÍLIA NO SINDICATO ACABA EM PIZZA
Cercando o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, militantes passaram a madrugada na rua
Enquanto na rua poucos manifestantes mantinham vigília na madrugada diante do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o ex-presidente Lula, acomodado em uma poltrona, se reuniu com aliados e pediu uma pizza antes de decidir os próximos passos.
Faltando 15 horas para esgotar o prazo estabelecido para se entregar à prisão, Lula apareceu na janela do segundo andar e sorriu. Usou as duas mãos para acenar àqueles que ainda continuavam na vigília em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, apesar de a madrugada avançada já ter encerrado o rodízio de discursos no carro de som. Olhando de cima para baixo, Lula, apoiado no parapeito, mandou beijos. Com os punhos cerrados, gesticulou como se fosse uma noite de vitória.
Na rua, os apoiadores tinham os olhos levantados para a janela. Eram militantes do PT, sindicalistas, socialistas, comunistas, sem-teto. Haviam recebido o “chamado” pela liberdade de Lula e estavam prontos para “resistir”. Boa parte vestia camisetas com o rosto do ex-presidente; outros, de Che Guevara. E faziam tremular uma dúzia de bandeiras, nem todas vermelhas. Engrossavam o coro movimentos estudantis e outros partidos de esquerda. “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, repetiam, em uníssono, às 2 horas da manhã. E alternavam: “Lula na veia, Moro na cadeia”. Menos de 5 minutos depois, Lula saiu das vistas do povo e voltou à privacidade da sala onde se reunia, de portas fechadas, com os filhos e aliados políticos. Estava pronto para passar a noite no sindicato, acomodado em uma poltrona, mas ainda não havia decidido o que fazer depois.
Vigília. Antes de dar meia-noite, o número de militantes que chegavam para a vigília já era menor do que os que iam embora. Entre os apoiadores, chamava atenção os sem-teto, muitos deles vindos da Ocupação Povo Sem Medo, do MTST, também em São Bernardo. Convocados ao ato, espalharam colchões pela calçada e chegaram a construir um barraco de madeira ao lado do sindicato.
Preparados para acampar, o primeiro grupo de sem-teto chegou com dois panelões de aço, água mineral e 5 quilos de arroz. “Tem estrutura para passar seis meses aqui”, comentou um deles. De braços cruzados, uma mulher sentou-se, encostada na grade do sindicato. Do seu lado, um homem de boné acomodouse sobre uma lona. “É de onde, do Estadão?”, perguntou, para logo depois se recusar a falar. “A gente não pode dar entrevista, não”, disse.
Poucos metros abaixo, uma equipe da TV Record tentava gravar uma passagem na rua. Foi quando uma militante, de saia indiana, tapou a lente da câmera com um cartaz. “Jornalista é criminoso”, disse. Logo, formou-se um grupo de cerca de 50 pessoas que cercou o repórter e o cinegrafista. “Golpistas, golpistas, não passarão!”, gritava o grupo, de braços levantados. Membros do sindicato tiveram de abrir e trancar rapidamente um portão lateral para que os dois pudessem se desvencilhar do bando. Um jovem, de camiseta vermelha, encarou a grade fechada e ergueu o punho cerrado, sinal antifascista. “Fogo na Globo”, gritou. Mais cedo, haviam atirado ovos contra repórteres que trabalhavam no local.
O discurso anti-imprensa era repetido no microfone por políticos, sindicalistas, representantes da juventude negra e quem mais subisse no carro de som, onde se lia “Lula Livre” em um cartaz escrito à mão. Só perdia para as falas contrárias ao juiz Sérgio Moro, comandante da Lava Jato e responsável por decretar a prisão. “Cujo único prazer é encarcerar nossos sonhos representados em Lula”, discursou Jandira Feghali, deputada federal do PCdoB. Na fala de outros, Moro chegou a ser chamado de “juiz de primeira instância”, “tarado por Lula” e “lixo da história”.
MST. Do palanque, os oradores convocavam o povo “à luta”. “Lula, conte com as foices do MST”, disse o coordenador nacional do movimento, João Paulo Rodrigues. “A condenação é a continuidade do golpe”, afirmou Luiz Marinho, pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PT. “Luta e energia vão levar à reversão. Precisamos combinar a estratégia dos nosso juristas com a luta de massa, enchendo as ruas.”
Também anunciavam a chegada de caravanas, incluindo três ônibus de Brasília. O número de presentes, no entanto, caía. Enquanto vibravam com os discursos, o militantes bebiam Heineken ou Catuaba. Um homem pedia que lhe pagassem uma dose de cachaça. “Tô rouco”, dizia, com a voz falhando de tanto gritar. “Vim de Valadares, Minas Gerais”, repetia. “P-T”, respondeu apontando para o broche da estrela vermelha presa na lapela.
Com o passar das horas, foi aumentando o número de ambulantes que vendiam bebida, espetinho e hot-dog. “Tem de aproveitar o negócio, mas o que é certo é certo”, dizia o caminhoneiro Roque Ferraz, de 55 anos que chegou a ter uma frota de três veículos, mas precisou vendê-la por causa da crise. “E o certo é, se condenou, ele tem de ser preso. Se pobre rouba uma lata de sardinha vai parar no CDP, porque para ele tem um monte de recurso?”
Madrugada. Até o fim da noite, Lula permaneceu em silêncio, sem aparecer para os militantes. Por volta da 1h40, diversos aliados deixaram o local com a promessa de retornar na manhã seguinte. Antigo aliado, com quem foi preso nos anos 1980, Djalma Bom contou que encontrou Lula “muito tranquilo”. “Quando a gente foi preso injustamente pela Lei de Segurança Nacional, fomos absolvidos depois. A História vai absolvê-lo de novo”, disse.
Com a mulher, Ana Estela, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad saiu sem falar com a imprensa. No grupo, estavam ainda o ator Aílton Graça, vestindo uma camisa do Corinthians, e o vereador Eduardo Suplicy (PTSP). Mais cedo, esteve no local a presidente cassada Dilma Rousseff, que discursou no carro de som. Lula estava sereno, disseram todos.
Para o jantar, o ex-presidente escolheu comer uma pizza. A noite de vigília se repetiria como se viu depois.
“Luta e energia vão levar à reversão. Precisamos combinar a estratégia dos nosso juristas com a luta de massa, enchendo as ruas”. povo brasileiro.” Luiz Marinho
PRÉ-CANDIDATO AO GOVERNO
DE SÃO PAULO PELO PT
“Quando a gente foi preso injustamente pela Lei de Segurança Nacional, fomos absolvidos depois. A História vai absolvê-lo de novo.” Djalma Bom
SINDICALISTA
E o certo é, se condenou, ele tem de ser preso. Se pobre rouba uma lata de sardinha vai parar no CDP, porque para ele tem um monte de recurso.” Roque Ferraz
CAMINHONEIRO, VENDIA HOT-DOG NO
SINDICATO DURANTE A MADRUGADA