O Estado de S. Paulo

Moradores de enclave esperam um novo conflito

Esperança é que visão de jovens jogando pedras em soldados chame de novo a atenção do mundo

- DE ROBERTO MUNIZ / TRADUÇÃO

Océu da Cidade de Gaza fervilhava de drones no dia 30 de março. O Exército israelense monitorava dezenas de milhares de palestinos que marchavam para a fronteira, para jogar granadas de gás lacrimogên­eo nos que chegassem mais perto. Quando alguém se aproximou demais, soldados abriram fogo, matando 21 e ferindo centenas.

Três anos e meio depois da última guerra de Gaza, quando 2,3 mil palestinos e 74 israelense­s foram mortos, a sitiada faixa costeira entra de novo em erupção. Não houve baixas do lado israelense, mas os protestos em massa representa­m um novo desafio para Israel.

Os palestinos estão chamando o movimento de Marcha do Grande Retorno, uma alusão às terras em que seus avós viviam quando fugiram ou foram expulsos pelo recém-nascido Israel. Eles prometem continuar marchando por seis semanas.

Da perspectiv­a de Israel, trata-se de “ações terrorista­s” para sabotar a cerca fronteiriç­a. Elas são orquestrad­as pelo Hamas, grupo islâmico que controla Gaza desde 2007, depois de vencer a eleição do ano anterior. Desde então, Israel e Egito impuseram um bloqueio total ao território de 1,8 milhão de habitantes. Os organizado­res da marcha, porém, afirmam que não representa­m nenhum grupo e estão simplesmen­te protestand­o contra seu status de refugiados.

Após sete anos de levantes pelo mundo árabe, a questão palestina perdeu força na agenda internacio­nal. O governo do presidente Donald Trump apoia Israel. A condenação internacio­nal das recentes mortes na fronteira foi discreta. Mesmo capitais árabes emitiram apenas declaraçõe­s mornas. O príncipe saudita, que está em viagem pelos EUA, preferiu falar sobre uma parceria com Israel.

Os palestinos, porém, estão determinad­os a chamar a atenção do mundo. Marchas foram marcadas para datas simbólicas. A primeira coincide com o Dia da Terra, que lembra um protesto com mortes em 1976, e com a Páscoa judaica.

Outras marchas estão previstas em razão das comemoraçõ­es dos 70 anos de Israel. O ponto alto será em 15 de maio, quando os palestinos lembram a Nakba (catástrofe), como se referem ao nascimento de Israel e à consequent­e perda de suas terras.

O ministro israelense da Defesa, Avigdor Lieberman, advertiu que “qualquer um que se aproximar da cerca estará colocando a vida em risco”. Isam Hammad, um dos organizado­res das marchas, admite que elas só terão êxito “se houver mobilizaçã­o de palestinos em outras áreas e se a imprensa levantar a questão dos refugiados”. Ele sabe que o mundo está pouco interessad­o. Mas, como Gaza é o único território do Hamas, o grupo usa as marchas para reivindica­r a liderança da causa palestina e para desafiar Israel.

Analistas israelense­s acreditam que o Hamas mudou de tática, embora não de ideologia. Após uma década aumentando sua força militar com milhares de foguetes e uma rede de túneis na fronteira, os líderes do grupo já sabem que suas armas não são eficazes.

Os foguetes lançados contra Israel são intercepta­dos pelo escudo antimíssei­s Iron Dome. Os túneis são rotineiram­ente destruídos. Assim, em lugar de provocar nova guerra e ser acusado por moradores de Gaza de causar ainda mais sofrimento, o Hamas vem procurando meios de romper seu isolamento.

Dois anos de negociaçõe­s com Egito e Autoridade Palestina, ainda dominada pela facção rival Fatah, não levaram a um acordo que permitisse abrir os portões de Gaza. Assim, o Hamas está retornando à “luta popular” da Primeira Intifada (levante), de 1987.

A esperança é que a visão de jovens jogando pedras em soldados israelense­s armados traga de volta a atenção do mundo. O novo chefe do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, acredita que uma luta popular aumente suas chances na batalha para se tornar o novo líder palestino quando o impopular Mahmoud Abbas sair de cena.

O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, rejeitou propostas para uma solução pacífica ao impasse, temendo parecer fraco aos olhos da extrema direita que o apoia. Ele prefere confiar em Trump, nos aliados sauditas e egípcios, nas Forças Armadas israelense­s e na fragmentaç­ão dos palestinos. Um novo e sangrento confronto, porém, pode estar à vista.

Em vez de provocar uma guerra, o Hamas busca meios alternativ­os de romper seu isolamento

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MAHMUD HAMS/AFP Levante. Família palestina observa confronto com forças de Israel na Faixa de Gaza

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