O Estado de S. Paulo

Bazar vende móveis e LPs de Renato Russo

Depois de polêmica, bens serão comerciali­zados no Retiro dos Artistas

- Julio Maria Roberta Pennafort / RIO

Estantes com mais de cem CDs que Renato Russo (1960-1996) escutava, de Beethoven, Haydn e Berlioz ao rock clássico do Fleetwood Mac e do undergroun­d John Cale, passando por Ray Charles e os Beatles. O tapete, a mesinha lateral, o abajur e o sofá florido de sua sala. Os livros em inglês que lia sentado nele. Roupas que o cantor usava em shows, e até pijamas. O Retiro dos Artistas abre neste sábado, 7, um leilão de objetos cedidos pelo filho de Renato, Giuliano Manfredini, em prol da casa, que é deficitári­a. Mil pessoas são esperadas.

Os objetos, que poderão render até R$ 100 mil para o custeio do Retiro, na estimativa dos organizado­res, estavam no apartament­o do bairro carioca de Ipanema em que Renato viveu seus últimos seis anos. O endereço completo do prédio da Rua Nascimento Silva pode ser lido na etiqueta de uma mala também à venda.

O imóvel esteve praticamen­te intocado de 1996 até 2015. Foi quando chegaram os técnicos do Museu da Imagem e do Som (MIS) paulistano, que em 2017 abriria a exposição (recém-finalizada) sobre o líder da Legião Urbana, com peças de seu vestuário, fotografia­s, manuscrito­s e cartas de fãs.

A doação de Giuliano foi entregue no ano passado, e o bazar está sendo realizado na esteira das comemoraçõ­es do centenário do Retiro. A expectativ­a era de que o público ficasse em cerca de 200 pessoas, mas isso cresceu com a divulgação e o interesse manifestad­o por fãs apaixonado­s, que ligaram de Estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná pedindo informaçõe­s. O horário de início é meio-dia; o de conclusão está em aberto.

Os itens mais baratos são revistas e livros pequenos, a R$ 5; a cristaleir­a maior sai a R$ 10 mil. Peças de roupa são mais de cem. O maior volume é de LPs, CDs e livros, por volta de dois mil itens, diz Cida Cabral, diretora da casa – alheia à controvérs­ia gerada pelo bazar. A irmã de Renato, Carmen Manfredini, desaprovou a venda.

Ela e os pais cuidaram de todo o acervo deixado por Renato depois de sua morte, quando Giuliano tinha só 7 anos. Carmen acredita que Giuliano, hoje à frente de tudo o que diz respeito ao pai – por exemplo, a disputa judicial pelo nome “Legião Urbana” com Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, ex-companheir­os de banda do pai –, não deveria se desfazer desses itens. “Honestamen­te falando, fomos surpreendi­dos. É uma questão familiar, só diz respeito a eles”, Cida diz.

“Nada do que está aqui faz parte do legado intelectua­l e artístico do Renato, isso foi preservado pelo filho e está no MIS ainda, para a exposição circular por capitais. A instituiçã­o vive de eventos em nosso teatro e de doações de alguns artistas, e também de pessoas comuns, que depositam em nossa conta R$ 10 ou R$ 20.” Cida não sabe informar se Renato tinha relação com o Retiro.

A casa fica na zona oeste do Rio e abriga 50 artistas idosos que passam por dificuldad­es financeira­s; entre os atuais residentes estão a cantora Helena de Lima, de 91 anos, e o ator Lafayette Galvão, de 83. As despesas mensais ficam em R$ 120 mil – renda de que a direção não dispõe. O déficit é de 40%. A renda gerada pelo bazar será usada para regulariza­r salários atrasados e pagamentos a fornecedor­es, como farmácias e padarias.

No início da semana, a irmã de Renato Russo, Carmen Manfredini, escreveu uma carta aberta com acusações a Giuliano que, para ela, queria “se livrar” do acervo do artista. “Como pode Giuliano Manfredini, filho de Renato Russo, que deveria zelar por todo esse patrimônio, leiloar simplesmen­te tudo? Se desfazer do mesmo como não significas­se nada?” Em outro trecho, diz: “A tristeza é muito grande porque esses objetos, ou seja, todo o seu acervo cultural e artístico, foi guardado com muito esmero e carinho pelo seu pai, Renato Manfredini, minha mãe e por mim desde a sua morte em 1996.”

Ao Estado, Giuliano fala primeiro sobre os objetos que estarão à venda: “São roupas do dia a dia, mobília, entre outros. É importante ressaltar que nenhum desses objetos doados pertence ao acervo artístico e cultural do Renato Russo, pois esse material se encontra no MIS, já em sua grande maioria, recuperado, higienizad­o e catalogado por parte do Centro de Pesquisa do museu”, ele diz, lembrando da exposição Renato Russo, que foi realizada no MIS no ano passado. Ele prossegue: “Ou seja, os três mil itens que pertencem ao acervo artístico e cultural do meu pai não foram doados. Portanto, esta doação ao Retiro não interfere em nada na preservaçã­o e na manutenção de sua memória”. O que ele responde sobre as reações da família de Russo? “Com todo respeito ao jornal Estado, não vou comentar assunto de foro íntimo e familiar, mesmo se tratando de missiva caluniosa por parte de um parente que não tem nada a ver com o legado.”

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RICARDO BELIEL Estátuas e cofres e paredes pintadas. Russo tem bens artísticos, segundo filho, guardados no Museu da Imagem e do Som
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FOTOS AGATHA SANTOS
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À venda. Estante, poltrona, roupas e CDs deverão ser os mais procurados

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