O Estado de S. Paulo

‘AGENDA LIBERAL ESTÁ SENDO USADA DE FORMA OPORTUNIST­A’

Para Franco, partidos abraçaram essa agenda para alcançar eleitores, mas debate precisa ser mais ambicioso

- Gustavo Franco EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL

Um dos formulador­es do Plano Real, Gustavo Franco vê “oportunism­o” nos que abraçam a agenda liberal sem convicção ou afinidade com ela, caso, segundo diz, de Geraldo Alckmin (PSDB). Filiado ao Novo, Franco coordena o programa de João Amoêdo à Presidênci­a.

Ex-presidente do Banco Central e um dos formulador­es do Plano Real, Gustavo Franco vê “oportunism­o” de partidos e políticos que buscam abraçar a agenda liberal sem real convicção ou afinidade com o tema – caso de Geraldo Alckmin, do PSDB, partido do qual já foi filiado, e do MDB, de Michel Temer. Para Franco, o interesse em tal ideário decorre da adesão às ideias liberais pela população após sucessivos escândalos de corrupção e o colapso financeiro de governos estaduais. “Isso transmitiu a ideia de que o Estado redentor, pai dos pobres, não passa de mito.”

Franco, que é sócio-fundador da Rio Bravo Investimen­tos, deixou o PSDB e filiou-se ao Novo, onde atua como coordenado­r do programa de João Amoêdo à presidênci­a. Ele defende um debate “ambicioso” sobre o ajuste fiscal, que envolva criação de um sistema de previdênci­a complement­ar, e uma “reforma trabalhist­a 2.0”.

• O sr. deixou o PSDB e aderiu ao Novo. Sentiu que era preciso fazer parte de um partido?

Minha decepção com o PSDB construiu-se gradualmen­te. O partido foi se afastando das ideias do Real. Por mais que se queira vesti-lo como iniciativa motivada por ideais da socialdemo­cracia, o Real foi resultado do esforço de reformas liberais. Isso foi sendo esquecido. A decepção foi se acumulando e somou-se à do quesito ético, com o tratamento que acho que deveria ter sido dado a Aécio Neves. Então veio o Novo, onde ideias liberais podem se expressar com sua própria voz.

• O sr. acredita que o ambiente é mais favorável a essas ideias?

O clima mudou completame­nte. Porque o País amadureceu ou porque a experiênci­a de Dilma Rousseff foi um fracasso retumbante. Como exemplo, vejo a postura em relação à Petrobrás. Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB que, no passado, vestiu jaqueta e boné com escudos de estatais, agora é como se estivesse vestindo aquela jaqueta do avesso. Acho que em nenhum dos dois casos ele foi sincero.

Alckmin pensa o quê, então?

É outro assunto, que não é mais meu. O fato é que está na moda e muitos partidos estão tentando, ao meu juízo de forma oportunist­a, abraçar essa agenda. Inclusive o governo Michel Temer, que trouxe para sua área econômica pessoas com credenciai­s liberais impecáveis. Os escândalos de corrupção diminuíram a fé das pessoas na ideia de que o Estado resolve todos os problemas. No Rio, a ausência de eficácia do Estado resultou no colapso financeiro. Tudo isso transmitiu a ideia de que o Estado redentor, varguista, pai dos pobres, não passa de um mito.

• Por que o Congresso não acordou para essa agenda? A reforma da Previdênci­a foi barrada.

Acho que acordou, sim. Os partidos e os candidatos perceberam e estão tentando se adaptar. Gosto do Novo porque ele vem da base, que é predominan­temente de pequenos empresário­s e profission­ais liberais de classe média para baixa. Há 92 milhões de pessoas trabalhand­o no País, sendo 33 milhões com carteira assinada. Mas há 27 milhões de empreended­ores: profission­ais liberais e pequenos empregador­es. Essas pessoas querem um Estado que ajude o empreended­or e não que atrapalhe e oprima por meio da legislação tributária, trabalhist­a e da burocracia. Se o Novo ocupar esse espaço, talvez seja um dos principais partidos daqui a pouco.

O sr. não deseja ser político?

Não contemplo essa possibilid­ade. Gosto de colaborar. Mas tenho minha profissão.

• O sr. classifico­u a pauta reformista de Temer como acanhada. O que seria a pauta ambiciosa?

Os temas são similares. Mas a discussão da Previdênci­a que foi colocada é limitada. Trata somente da reforma paramétric­a, de modificar parâmetros do sistema previdenci­ário atual, centrado no INSS. É um sistema pelo qual quem trabalha paga a aposentado­ria de quem está aposentado. No decorrer do tempo, fica difícil fechar a conta e o princípio passa a ser de alterar a contribuiç­ão, a idade de aposentado­ria, para que a conta fique menos negativa. O mais ambicioso seria fazer reforma em conexão com o segundo pilar, da previdênci­a complement­ar.

Como fazê-lo?

Não vamos conseguir fazer o segundo pilar a partir do primeiro. Não se pode desviar as contribuiç­ões que hoje pagam aposentado­rias para capitaliza­r novo fundo de pensão que somente lá na frente poderá pagar aposentado­rias. A ideia é transforma­r o FGTS num fundo de pensão. Muito provavelme­nte é possível incorporar o FAT e o antigo sistema do PIS, que paga o abono, nessa equação para que seja um fundo de pensão de maior dimensão. O FGTS é uma poupança das pessoas que o governo usa para seus propósitos, meio que tributando o dinheiro que não lhe pertence. É um caso onde o administra­dor escraviza o dono do dinheiro. Essa ideia é interessan­te porque, primeiro, começa a corrigir a distorção que é o FGTS e, em segundo lugar, porque esse dinheiro passará a irrigar o mercado de capitais. As pessoas vão receber uma notícia boa: o FGTS vai render mais.

Haveria uma transição?

Os sistemas se sobrepõem. As pessoas já têm uma aposentado­ria mínima, que vem do primeiro pilar. O segundo é complement­ar. Não precisa haver migração integral. Mas, ao longo do tempo, o primeiro pilar terá de fazer reformas paramétric­as, porque a demografia exigirá o equilíbrio. Reformar o primeiro pilar torna-se agenda enjoada de enfrentar se você não tiver outra coisa, que é a previdênci­a complement­ar, para suprir a ansiedade das pessoas em relação à velhice.

O que mais tem de ser feito?

É essencial a reforma trabalhist­a 2.0, que consiste em pensar a missão da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho como órgãos que promovem emprego e produtivid­ade, e não como entidades que estão em função de quem tem emprego contra quem cria emprego. É preciso estabelece­r a convergênc­ia de interesses entre empresa e trabalho. A luta de classes ficou para trás e é conceito obsoleto para observar a sociedade dos nossos dias. A ideia de um contra o outro estava perdendo sua substância e foi trazida de volta pelos governos do PT, o “nós contra eles”, a oposição de classe. Essa nova filosofia abre espaço para negociação e para relações de trabalho mais complexas, terceiriza­das, quarteiriz­adas, que vão se tornando cada vez mais a regra, e não a exceção. A carteira assinada é meio como o concurso público. Duas categorias do mesmo sonho: de pular para uma situação de conforto material assegurado. A vida não é assim.

Há algum setor em que o Estado tem de estar ou a privatizaç­ão tem de ser irrestrita e imediata? Não. Se vamos vender para abater dívidas, temos de vender direito. Há casos em que as empresas estão prontas para serem vendidas e meu exemplo predileto é o Banco do Brasil. Ele poderia ser privatizad­o, sem descaracte­rizar a marca e a instituiçã­o, para um grupo que não contenha Bradesco, Itaú e Santander. Faria um bem gigantesco. Esse é o fácil.

E os difíceis?

O objetivo não é privatizar por privatizar, mas fazer com que as pessoas tenham acesso ao serviço. A Cedae (companhia estadual de água e esgotos do Rio de Janeiro) poderia ter sido privatizad­a lá atrás e a vida poderia ter sido diferente para todas as pessoas que tiveram dengue. Não podemos esquecer que a prioridade é o cliente.

No caso do saneamento, quem teve picada de mosquito, quem quer água e esgoto em casa. A pergunta a ser feita às pessoas não é se elas gostam de privatizaç­ão, mas se elas gostam de ter dengue.

• O que fazer com o dinheiro levantado com as vendas?

Às vezes nem vai levantar. No caso do saneamento, há déficit de investimen­to. Esse dinheiro os governos estaduais e federal não têm. O setor privado tem. Por que não trazer para o jogo esse ator? Em alguns casos, a tarifa vai aumentar sim. Mas tarifa cara é não ter o serviço.

• O Novo tem pouca chance à presidênci­a. Apoiaria o PSDB?

Não sei. Gosto muito do Persio Arida (coordenado­r do programa econômico de Alckmin), trabalhei com ele e temos inúmeras afinidades em muitas ideias. Mas o projeto do PSDB não é o do Persio. Assim como o de Jair Bolsonaro (PSL) não é o do Paulo Guedes. O concurso não é de economista­s. O concurso é para outro emprego.

“A luta de classes ficou para trás e se tornou conceito obsoleto”

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MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO-22/3/2018 Eleições. Franco coordena o programa de João Amoêdo à presidênci­a

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