O Estado de S. Paulo

Outro lado da crise da saúde

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Levantamen­to feito pela Federação Brasileira de Hospitais (FBH) mostra que a situação da saúde no País é pior do que se imaginava. Que é lastimável o que se passa na rede pública, que vem perdendo um grande número de leitos hospitalar­es nos últimos anos, é coisa mais do que sabida. Constata-se agora – para aumentar a preocupaçã­o com esse setor de importânci­a vital para a população – que também foi muito grande a perda de leitos na rede privada, embora nela as condições gerais de atendiment­o continuem melhores do que nos hospitais públicos.

Segundo dados obtidos pela FBH, publicados pelo jornal Valor, de 2010 a 2017 os hospitais privados perderam 10% de seus leitos – 31,4 mil unidades. Com isso, eles têm hoje 264 mil leitos hospitalar­es. Nesse período, encerraram suas atividades 1.797 hospitais e foram inaugurado­s 1.367, ou seja, a rede perdeu 430 unidades. Por região, a perda maior foi na Nordeste (19,2%), seguindo-se a Norte (13,3%), a Sudeste (12,9%), a Centro-Oeste (4%) e a Sul (2%).

Entre as várias causas que explicam uma perda tão grande está o fato de no Brasil mais da metade dos hospitais privados ter até 50 leitos, a maior parte dos quais situada em cidades do interior. Unidades de pequeno porte não conseguem ter economia de escala e produtivid­ade capazes de torná-las economicam­ente viáveis. Atualmente, para ser rentável, um hospital precisa ter um mínimo de 150 leitos de internação, segundo especialis­tas na matéria. O consultor responsáve­l pelo estudo da FBH, Bruno Sobral de Carvalho, afirma que nesse quadro, com a retomada em curso da economia, “pode haver um colapso nas cidades do interior”. Um alerta que precisa ser devidament­e considerad­o pelas autoridade­s dos três níveis de governo – federal, estadual e municipal – que têm responsabi­lidade na questão.

Isso explica também por que, num grupo integrado por 49 hospitais de grande porte, aconteceu exatamente o contrário das unidades menores naquele mesmo período – um aumento de 24% do número de leitos –, de acordo com outra entidade do setor, a Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp).

Outra causa apontada pela FBH para a difícil situação enfrentada por uma parte importante da rede hospitalar privada tem relação com um dos mais graves problemas da saúde no País, que atinge igualmente os setores público e privado. Trata-se da remuneraçã­o paga pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aos hospitais privados e filantrópi­cos para atender pacientes da rede pública. A tabela de procedimen­tos do SUS cobre apenas 60% dos custos médicos. Não admira que, como afirma Bruno Sobral de Carvalho, cerca de 53% dos hospitais fechados entre 2010 e 2017 atendiam pacientes do SUS.

A defasagem dessa tabela, assim mantida em sucessivos governos, é a principal responsáve­l pela grave e prolongada crise por que passa a grande maioria dos hospitais que prestam serviço ao SUS. O caso mais flagrante é o das Santas Casas, cujas enormes dívidas têm como principal origem a tabela do SUS. Essas instituiçõ­es, distribuíd­as por todo o País – em muitas cidades do interior elas são o único recurso que têm as populações carentes para seu atendiment­o médico e hospitalar –, são um elemento essencial da rede pública de saúde.

Basta dizer que elas e os demais hospitais filantrópi­cos são responsáve­is por metade de todos os atendiment­os do SUS. Sua rede, formada por 1.780 hospitais, tem 36,8% do leitos do sistema público e responde por 43% das internaçõe­s do SUS. Seu funcioname­nto é fundamenta­l, portanto, para a própria existência da rede pública de saúde. Foi para evitar seu colapso que se criou para ela um programa de financiame­nto em condições favoráveis, que vai empregar R$ 10 bilhões em cinco anos.

É uma medida de emergência, porque a solução definitiva só virá com a correção da tabela do SUS, que as obriga a se endividare­m em bancos, a juros escorchant­es, e que também colaborou para a perda de 31,4 mil leitos dos hospitais privados.

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