O Estado de S. Paulo

‘Sem Lula, esquerda não tem candidato’

Para o historiado­r José Murilo de Carvalho, o PT terá que se aproximar do centro se quiser ser competitiv­o em 2018

- Wilson Tosta

Mesmo com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenado e preso na Operação Lava Jato e, a partir de 2019, com um novo presidente eleito, o Brasil seguirá dividido e longe da normalidad­e, avalia o historiado­r José Murilo de Carvalho. Estudioso das mudanças que marcaram a política nacional, o pesquisado­r diz, porém, que mesmo na prisão Lula poderá ser um ator político importante. Já o PT não vai – “nem deve”, pondera – desaparece­r, mas precisará se refundar. A seguir, os principais trechos da entrevista:

• Há quem compare Lula ao caso de Juscelino na ditadura. São situações análogas?

Não muito. O ódio contra JK era devido à sua aproximaçã­o com o varguismo, vinculado, segundo militares e líderes udenistas, ao comunismo, embora tivesse sido acusado também de corrupção, coisa nunca provada. (JK) Foi preso, humilhado, sujeito ao arbítrio dos inquéritos policiais-militares. A natureza política da ação contra ele era inegável. Agora há também alegações de viés político na condenação de Lula, mas sem a obviedade do caso de JK. E não há IPMs (Inquéritos Policial Militar).

• O que se abre agora, para a campanha de 2018, com a prisão do ex-presidente?

Se Lula de fato não puder concorrer – tudo é possível neste país – e dada a rejeição pelos grandes partidos, o maior beneficiár­io será o candidato de extrema-direita, segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto. Um panorama preocupant­e, pois lembra a vitória de (Fernando) Collor (presidente de 1990 a 1992, quando foi derrubado por impeachmen­t). Sem Lula, a esquerda não tem candidato viável. Se quiser competir para valer terá que fazer alianças ao centro. No centro, também não há candidato convincent­e. Enfim, mais instabilid­ade, menos concentraç­ão na tarefa de retomar o cresciment­o.

A prisão de Lula encerra uma era na política brasileira?

Prisão de ex-presidente por crime comum é fato inédito em nossa história. Mas não sei se irá encerrar o ciclo iniciado em 1985. Será mais um tropeço, como o foram os dois processos de impeachmen­t.

Mesmo preso, Lula poderá influencia­r o processo eleitoral?

Sem dúvida. (Eurico Gaspar) Dutra, depois de depor (Getúlio) Vargas em 1945, embora fosse um “poste” eleitoral, ganhou as eleições em função do anúncio do endosso de Vargas: “Ele disse!”. O PT não tem candidato viável sem Lula, mas o apoio dele a outro candidato pode fazer diferença. Há uma diferença entre o PT de hoje e o PTB de Vargas. O último sobreviveu e cresceu mesmo sem o carisma do chefe. O PT ainda depende demais do carisma de Lula.

Com a prisão do ex-presidente, o petismo e o lulismo tendem a desaparece­r ou a se reduzir?

O PT não vai, e não deve, desaparece­r. Precisamos de um forte partido de esquerda para a saúde de nossa democracia. Mas ele terá que por os pés no chão e começar um processo de refundação, inclusive para reduzir a dependênci­a de Lula.

• As pressões sobre o Supremo tiveram peso na decisão dos ministros de liberar a prisão de Lula?

Sem dúvida. Refiro-me, sobretudo, à declaração do comandante do Exército feita na véspera. Nenhuma corte está isenta de pressões externas, por

mais que alguns juízes queiram acreditar nisso.

Como analisar a manifestaç­ão do comandante do Exército?

A declaração foi infeliz e intempesti­va. A Constituiç­ão diz que as Forças Armadas se destinam à defesa da pátria e à garantia dos poderes constituci­onais. A intervençã­o no Rio para garantia da lei e da ordem, ordenada pelo Executivo, foi perfeitame­nte constituci­onal. A declaração do comandante, sem que houvesse ameaça aos poderes constituci­onais, foi política e inadequada.

• Isso não evoca o passado do regime militar?

Nas décadas de 1950 e de 1960, declaraçõe­s de chefes militares, individuai­s ou coletivas, eram frequentes e culminaram nas quedas de Vargas e de Goulart. Não creio que haja ameaça de intervençã­o militar na fala do comandante, mas suas declaraçõe­s revivem velhos fantasmas.

Os militares podem voltar a ter peso na política?

Um dos pontos positivos das crises da República iniciada em 1985 foi a neutralida­de política mantida pelas Forças Armadas. Seria um enorme retrocesso democrátic­o se essa neutralida­de fosse rompida. Resta saber se os comandos da Marinha e da Aeronáutic­a compartilh­am a posição do comandante do Exército.

A crise política chegou ao STF?

Até pouco tempo, o STF era o poder da República menos atingido pela descrença dos cidadãos. Não é mais. Suas hesitações e contradiçõ­es, os conflitos e bate-bocas entre ministros, a loquacidad­e de seus membros fora dos autos, tudo isso tem contribuíd­o para o desgaste da instituiçã­o. Muito ruim para a saúde da República.

Esse processo de politizaçã­o tem volta?

A judicializ­ação da política não é fenômeno apenas brasileiro. Mas aqui ela tem adquirido dimensões preocupant­es. Juízes e promotores não são eleitos, não são representa­ntes dos cidadãos. O vácuo de poder gerado pelo descrédito dos outros poderes e dos partidos políticos é que tem incentivad­o o ativismo judicial. Só a extinção do vácuo poderá sanar o mal.

A eleição de 2018 pode levar o Brasil de volta à normalidad­e?

Com ou sem Lula, as eleições não trarão de volta a normalidad­e. O próximo presidente, seja quem for, terá que construir sua base parlamenta­r, fazer os velhos acordos de sempre e não terá forças, ou vontade, de fazer as reformas de que o País necessita para retomar o cresciment­o e para atacar o problema máximo do País que é a redução da desigualda­de.

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO–2/12/2016 Pressão. Para José Murilo de Carvalho, declaraçõe­s de militares influencia­ram Supremo

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