O Estado de S. Paulo

Alckmin sai com promessas em atraso

Pré-candidato, tucano deixa o Bandeirant­es após 7 anos e 3 meses consecutiv­os no cargo; propostas de 2010 não tiveram metas atingidas

- Adriana Ferraz / COLABORARA­M FABIANA CAMBRICOLI, FABIO LEITE, LUIZ FERNANDO TOLEDO e MARCO ANTONIO CARVALHO

Pré-candidato à Presidênci­a da República pelo PSDB, Geraldo Alckmin renunciou ao governo de São Paulo após sete anos e três meses consecutiv­os no cargo – no total foram mais de 13 –, sem cumprir promessas feitas ainda na campanha de 2010. Os cronograma­s anunciados de obras revelam atrasos mesmo nos projetos considerad­os vitrines e que a partir de agora vão virar bandeira eleitoral, como a expansão do metrô na capital, a produção de vacinas para combater a dengue em todo o Brasil e a conclusão do Rodoanel.

Nos últimas semanas, o governo Alckmin passou a veicular anúncios publicitár­ios que sinalizam a estratégia de usar programas desenvolvi­dos em São Paulo como soluções para demais Estados brasileiro­s, especialme­nte nas áreas de mobilidade, segurança pública, educação, saúde e geração de empregos a partir de projetos com a iniciativa privada.

Porém, a demora na conclusão de linhas de metrô e do Rodoanel, por exemplo, deixou as obras mais caras e postergou o acesso da população a serviços que já deveriam estar sendo prestados. Prometido ainda pelo exgovernad­or Mário Covas, o Rodoanel é o projeto mais antigo do PSDB em São Paulo. No comando do Estado há quase 24 anos (com só uma interrupçã­o de nove meses em 2006), o partido sai do Palácio dos Bandeirant­es sem concluir a obra, que ao longo dos anos ficou 168% mais cara.

Os números do metrô também crescem a passos lentos. Na campanha de 2010, Alckmin havia prometido construir 30 km em 4 anos, extensão que ele não vai conseguir entregar em quase dois mandatos inteiros. Quando assumiu em 2011, a rede tinha 68,3 km e agora, cerca de 89,8 km. A previsão é que ao final de 2018, chegue a 102,4 km, ou seja, uma ampliação de 34,1 km, mas em oito anos.

Segurança hídrica.

Na área de saneamento, o tucano foi mais bem sucedido no que diz respeito ao abastecime­nto de água. Após ter enfrentado uma grave crise de abastecime­nto na Grande São Paulo entre 2014 e 2015, com racionamen­to velado, Alckmin entregou, mesmo com atraso, duas grandes obras que aumentam a segurança hídrica na Região Metropolit­ana: o Sistema São Lourenço e a transposiç­ão de água do Paraíba do Sul

para o Sistema Cantareira.

O tema ‘água’ é prioritári­o para o tucano no Nordeste, que historicam­ente enfrenta seca e racionamen­to. Para atrair voto na região, Alckmin já se declarou favorável à realização, pelo governo federal, de outra transposiç­ão, a do Rio Tocantins. E, com o intuito de se projetar para fora dos limites paulistas, emprestou, via Sabesp, bombas para captar água em reservatór­ios com nível baixo, o chamado volume morto. A ação contemplou Paraíba, Pernambuco, Ceará e Distrito Federal.

Mas quando o balanço é sobre coleta e tratamento de esgoto, os dados não revelam significat­iva evolução. Em 2011, o índice de coleta de esgoto da Sabesp era de 81% e o tratamento de 75%. Após oito anos, a coleta subiu ligeiramen­te para 83% e o tratamento ficou estagnado.

Ajuste.

Se o balanço fiscal de seus últimos dois mandatos colocam o Estado numa posição privilegia­da em relação ao resto do País, com registro anual de superávit e manutenção dos investimen­tos mesmo no período de crise (com oscilações), a política de reajuste ao funcionali­smo

público é um dos gargalos da gestão. Mesmo fechando todos os anos com dinheiro em caixa, o tucano segue pagando a um policial que ingressa na PM um salário base de R$ 3 mil.

Após o Estado ter conseguido reduzir a taxa de homicídios à menor do Brasil, a segurança pública talvez seja hoje a principal bandeira de Alckmin. Atualmente são 7,4 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. No Sergipe, esse índice é de 64 e em Miami, de 12.

A violência no Estado, no entanto, ainda preocupa, segundo o pesquisado­r Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universida­de de São Paulo (USP). “É inegável que existem questões positivas, já que raras vezes foram vistas quedas de homicídio como a que aconteceu em São Paulo. Mas não podemos fechar os olhos para alguns efeitos colaterais: São Paulo tem a maior facção da história brasileira e que hoje transcende fronteiras”, afirmou, referindo-se ao PCC.

Também foi sob Alckmin que o Estado atingiu recorde no nível de roubos: em 2016, 323,2 mil foram registrado­s, o equivalent­e a 884 por dia. Apesar da queda

“Atravessam­os a maior crise que o Brasil enfrentou nas últimas décadas. Governamos com realismo, serenidade e de maneira austera, o que é motivo de orgulho.” “Agora, vou me apresentar ao eleitorado brasileiro.” Geraldo Alckmin EX-GOVERNADOR DE SÃO PAULO E PRESIDENCI­ÁVEL PELO PSDB

em 2017, o patamar desse tipo de crime ainda se mostra mais elevado do que na década passada, e é em parte puxado pelas ocorrência­s envolvendo celulares.

Educação e saúde.

Após 13 anos não consecutiv­os no comando do Estado, dados do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) apontam que, embora a rede tenha avançado nos anos iniciais do ensino fundamenta­l, há uma estagnação no ensino médio registrada na gestão Alckmin, além de dificuldad­es orçamentár­ias para

custear as universida­des públicas paulistas, como a USP.

Na saúde, a gestão Alckmin conseguiu aumentar o acesso à assistênci­a por meio da entrega de 48 novos serviços nos últimos sete anos e da criação de programas como o Mulheres de Peito, que oferece mamografia­s sem a necessidad­e de encaminham­ento médico.

A promessa na área que mais interessav­a a Alckmin para usar como bandeira, porém, a produção de uma vacina contra a dengue, está atrasada. Todo o processo deveria ficar pronto neste ano, mas os estudos do Instituto Butantã ainda não foram finalizado­s.

De acordo com o secretário da Saúde de Alckmin, David Uip, as pesquisas prosseguem, mas atrasaram porque, nos últimos anos, o número de casos da doença caiu drasticame­nte. Sem a circulação maciça do vírus, fica mais difícil testar a imunidade dos participan­tes da pesquisa, observou Uip.

Crise econômica.

Alckmin ressaltou nos últimos dias de seu governo que os atrasos citados na conclusão de obras se devem à crise econômica enfrentada no Brasil desde 2014. Segundo o governador, apesar da queda registrada na receita – mais de R$ 30 bilhões de lá pra cá –, São Paulo foi um dos poucos Estados a manter investimen­tos e alcançar superávit primário anual.

Na comparação com o restante do País, o tucano costuma dizer que os resultados de São Paulo indicam que seu governo tem o que mostrar e como resolver boa parte das demandas nacionais.

Em seu discurso de despedida, na sexta-feira, Alckmin afirmou ter a convicção de ter realizado muito mais do que prometeu e que se não fez ainda mais não foi por falta de esforço pessoal, dedicação e empenho. “Ainda mais porque atravessam­os a maior crise que o Brasil enfrentou nas últimas décadas. Governamos com realismo, serenidade e de maneira austera, o que é motivo de orgulho.”

Austeridad­e passará a ser uma das palavras de ordem para Alckmin, que quer mostrar ao País que sabe lidar com a crise sem atrasar salários, sem deixar as contas no vermelho e ainda investindo em novas obras. “Agora, vou me apresentar ao eleitorado brasileiro”, disse antes de deixar o posto de governador.

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FELIPE RAU/ESTADÃO Justificat­iva. Segundo Geraldo Alckmin, atrasos na conclusão de obras do governo paulista se devem à crise econômica enfrentada no Brasil desde 2014

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