O Estado de S. Paulo

Trump tenta conter avanço da China em primeira visita à América Latina

Diplomacia. Presidente americano tenta seduzir líderes regionais na Cúpula das Américas, que começa sexta-feira em Lima, mas esforço de sedução pode ser prejudicad­o pela agressiva guerra contra imigração ilegal e pelo anúncio de medidas protecioni­stas

- Cláudia Trevisan

Donald Trump fará sua estreia na Cúpula das Américas nesta semana com um discurso no qual acusará a China de “agressivid­ade econômica” e defenderá que os EUA sejam o parceiro preferenci­al da região. Mas seu esforço de sedução deve ser prejudicad­o pelo anúncio de medidas protecioni­stas e sua guerra contra a imigração ilegal.

Dias antes de sua primeira viagem à América Latina, Trump reacendeu a retórica mais agressiva de sua campanha contra a imigração e anunciou o envio de tropas à fronteira com o México. Líder da maior economia do mundo, ele usará a cúpula no Peru para se queixar do que vê como desequilíb­rios na relação comercial dos EUA. Fiel ao lema “América em Primeiro Lugar”, ele também promoverá os interesses econômicos de seu país.

“O presidente vai buscar exportação e abertura de mercados para empresas e setores que garantam expansão de empregos para trabalhado­res e fazendeiro­s americanos”, disse um assessor da Casa Branca, em conferênci­a telefônica na quinta-feira. Segundo ele, a mensagem que Trump levará será compatível com sua estratégia de segurança nacional e destacará “a proteção da pátria” e do “modo de vida dos EUA”, uma referência à imigração ilegal e às drogas.

“Trump olha para a América Latina sob a óptica da ameaça e não da oportunida­de”, disse Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas. Em sua opinião, seria importante que ele apresentas­se uma “agenda positiva” para o relacionam­ento com os vizinhos, o que está longe de estar garantido. “Há grande preocupaçã­o com a direção dos EUA em relação ao comércio, à imigração e à segurança na fronteira.”

A retórica de Trump fez com que as Américas registrass­em a maior queda na aprovação da liderança dos EUA entre todas as regiões do mundo – de 49%, no último ano do governo Barack Obama, para 24% em janeiro, ao fim do primeiro ano da nova gestão, segundo o Gallup. O levantamen­to mostrou que apenas 16% dos entrevista­dos em 20 países latino-americanos têm avaliação positiva de Trump. No mesmo estágio em seu mandato, Obama tinha aprovação de 61%.

O encontro de Lima terá como pano de fundo o aumento do protecioni­smo e o risco de uma guerra comercial com a China, que é o principal destino das exportaçõe­s de vários países da região, entre eles o Brasil.

A tensão contrasta com o clima da Cúpula das Américas realizada há três anos no Panamá, marcada pelo otimismo em relação a uma nova fase no relacionam­ento regional. Raúl Castro fez então sua estreia no evento, marcado pelo seu aperto de mão com Obama. Quatro meses antes da cúpula, ambos haviam anunciado o reatamento de relações bilaterais após décadas de isolamento.

“Há um risco real de deterioraç­ão da relação dos EUA com a região que não vimos no passado”, disse o presidente do InterAmeri­can

Dialogue, Michael Shifter. “Os líderes latino-americanos aguardam Trump desorienta­dos, confusos e preocupado­s.” Em sua opinião, o ambiente vai piorar se o protecioni­smo de Trump levar à desintegra­ção do Nafta – acordo de livre comércio com México e Canadá.

“Se os EUA tentarem forçar os governos a escolher entre EUA e China, isso é uma receita para a deterioraç­ão e o aumento

da desconfian­ça em relação a Washington”, declarou Shifter.

“A agressivid­ade econômica da China não tem sido produtiva para a região”, disse o assessor da Casa Branca, segundo o qual Trump usará a cúpula para alertar contra “atores externos” na região. Mas o protecioni­smo de Washington pode reduzir o poder de sua retórica. No mês passado, os EUA anunciaram tarifas de 25% sobre a importação de aço que atingiram Brasil, Argentina, México e Canadá. Os países foram temporaria­mente excluídos da penalidade, mas poderão ser obrigados a aceitar cotas nas exportaçõe­s do produto.

“As ameaças à China ignoram o fato de que muitos dos países da região veem “benefícios consideráv­eis em seu relacionam­ento com Pequim”, ponderou Margaret Myers, que estuda a presença econômica da China na América Latina no Inter-American Dialogue. Além do comércio, ela lembrou que a China é uma fonte importante de financiame­nto, com desembolso­s que superam os realizados pelas tradiciona­is organizaçõ­es multilater­ais, como o Banco Mundial e o Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento.

Jason Marczak, especialis­ta em América Latina do Atlantic Council, acredita que a Cúpula de Lima, que começa na sextafeira, será uma das mais complexas e importante­s desde 1994, em razão do agravament­o da crise na Venezuela, do aumento da tensão no relacionam­ento da região com os EUA, da ameaça de uma guerra comercial e dos escândalos de corrupção que afetam vários países latinoamer­icanos.

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