O Estado de S. Paulo

Cúpula de Lima elevará pressão sobre Venezuela

Maduro diz que não irá, mas seu governo deve ser tema central de encontro de chefes de Estado, com discussão de novas sanções

- Cláudia Trevisan

A participaç­ão de Nicolás Maduro foi vetada na Cúpula das Américas e ele deu indícios de que já não quer ir, mas a Venezuela será um dos principais pontos de discussão dos líderes que se reunirão sexta-feira e sábado em Lima. A viagem do presidente venezuelan­o ao Peru criaria um constrangi­mento para os anfitriões e dividiria os holofotes com o encontro oficial.

Sua presença seria uma das possíveis surpresas do evento, que reunirá no mesmo plenário líderes de orientação ideológica contrastan­tes. O presidente Donald Trump estará sentado a algumas cadeiras do cubano Raúl Castro, que participar­á de sua última Cúpula das Américas antes de deixar o poder, no dia 19. A Casa Branca disse que não haverá interação entre os dois líderes. No ano passado, Trump congelou a reaproxima­ção com Cuba iniciada por seu antecessor, Barack Obama, e condiciono­u avanços a mudanças políticas na ilha.

A grande dúvida é como o presidente americano reagirá a eventuais discursos hostis aos EUA e a ele. Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas, lembrou que em sua primeira cúpula, em Trinidad e Tobago, Obama ouviu impassível um discurso de 50 minutos no qual o nicaraguen­se Daniel Ortega denunciou o que via como um século de agressão dos EUA na região.

“Trump reagiria de maneira totalmente diferente”, avaliou Farnsworth. Em sua opinião, as manchetes do encontro não virão da discussão sobre Venezuela ou dos debates sobre corrupção, mas da interação entre os líderes reunidos em Lima. Farnsworth afirmou que a cúpula deveria definir compromiss­os específico­s dos países da região para enfrentar a crise humanitári­a na Venezuela, coordenaçã­o na aplicação de sanções e condenação das eleições presidenci­ais marcadas para o dia 20 de maio.

Muitos analistas comparam a cúpula no Peru à que foi realizada em 2005 em Mar del Plata, na Argentina, considerad­a a mais desastrosa das sete ocorridas até hoje. Como agora, os EUA tinham um presidente extremamen­te impopular na região, George W. Bush, criticado em razão de sua decisão de iniciar a guerra do Iraque, em 2003, com base em pretextos que se revelaram falsos, de que havia armas químicas no país.

A proposta de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), defendida por Bush, foi enterrada de vez no encontro, marcado pela presença de líderes de esquerda, como o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, o anfitrião Néstor Kirchner e o venezuelan­o Hugo Chávez.

Richard Feinberg, especialis­ta em América Latina e professor da Universida­de da Califórnia em San Diego, afirmou que a diferença é a mudança política que ocorreu em vários países da região na direção de dirigentes mais conservado­res. “Houve uma guinada para líderes mais pró-mercado. Eles não estão interessad­os em confronto”, avaliou.

Na avaliação de Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue, a discussão sobre a Venezuela será um “teste” para todos os governos da região. “A Venezuela está mergulhada em uma crise terrível e há a expectativ­a de que 1,7 milhão de refugiados venezuelan­os se juntem aos 1,5 milhão que já estão em outros países da região.”

Jason Marczak, diretor para América Latina do Atlantic Council, afirmou que crise de refugiados tem proporção global e exige uma resposta coordenada dos governos. “A Colômbia e o Brasil não podem arcar sozinhos com o recebiment­o de refugiados.” Segundo ele, a situação pode desestabil­izar a região e se transforma­r em uma ameaça à segurança nacional dos EUA.

Em conferênci­a telefônica com jornalista­s na quinta-feira, assessores da Casa Branca disseram que Trump quer mostrar a “liderança” dos EUA na pressão sobre Caracas. “Durante os próximos meses, nós veremos mais passos dos EUA para punir Maduro e seus comparsas”, disse um dos integrante­s da equipe de Trump. Por enquanto, Washington mostra relutância em adotar sanções sobre a venda de petróleo da Venezuela.

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