O Estado de S. Paulo

A verdadeira ameaça para o Ocidente vai às urnas

Premiê da Hungria deve conquistar hoje terceiro mandato seguido, em um regime autoritári­o financiado pela Europa

- Ishaan Tharoor

Oprimeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, deve se reeleger hoje, alcançando um terceiro mandato consecutiv­o. Há expectativ­a de que seu partido, o Fidesz, garanta parlamenta­res suficiente­s para dar a Orban um novo mandato, embora uma votação fragmentad­a possa privá-lo de uma maioria absoluta. No poder desde 2010, Orban é o segundo líder há mais tempo no poder na Europa, depois da alemã Angela Merkel. E se tornou tão influente como ela.

Liberal que trafegou pela direita

nas décadas seguintes à queda da União Soviética, Orban, de 54 anos, agora define a si mesmo como um “democrata não liberal”, defensor de interesses, tradições e cultura de sua nação. Desde 2015, nenhum líder europeu foi mais veemente na oposição a imigrantes e refugiados do que Orban, cujo alarmismo quanto ao Islã e às ameaças à identidade cristã da Europa encontrou forte eco na extrema direita do continente e precedeu a chegada de um demagogo divisionis­ta na Casa Branca.

O novo primeiro-ministro da Áustria, Sebastian Kurz, que chegou ao poder pela aliança com a extrema direita, elogiou a rígida postura de Orban em relação à imigração. Em uma viagem à Europa neste ano, Stephen Bannon, ideólogo de extrema direita e ex-assessor de Trump, elogiou Orban como um “herói real” e o “cara mais importante no cenário europeu”.

“A provocação de Orban traz à União Europeia uma ameaça bem diferente da enfrentada em 2016, quando a Grã-Bretanha votou pela saída e as especulaçõ­es sobre quem poderia ir em seguida causaram agitação”, escreveram os meus colegas Griff Witte e Michael Birnbaum. “Pode ser mais grave do que isso – um desafio que põe em perigo o caráter da união.”

Os críticos de Orban o veem como um autocrata brando. A Hungria, sob o seu domínio, está longe de ser uma ditadura militar, mas a sua democracia diverge acentuadam­ente da de muitos dos seus parceiros na União Europeia. Os opositores apontam para uma nova classe de capitalist­as de compadrio, estabelece­ndo feudos com as bênçãos do primeiro-ministro. O governo de Orban exerce um sutil, mas dominador controle, sobre o Judiciário e a mídia. Ele re-

modelou o sistema eleitoral do país em seu benefício, em parte através do favorecime­nto ao partido político e da concessão de cidadania para pessoas de etnia húngara no exterior, a grande

maioria dos quais optou pelo Fidesz.

Mas, pelo menos por enquanto, essa parece ser uma estratégia vencedora. Orban segue o ritmo de um populista de extrema direita, embora tenha assento à mesa em Bruxelas e poderosos aliados em toda a Europa. Ele quer tornar sua nação grande novamente, depois de séculos de humilhação nas mãos dos otomanos, dos vencedores da 1.ª Guerra, da União Soviética e agora dos ameaçadore­s ocidentais, favoráveis à globalizaç­ão.

“Enviamos para casa o sultão com seu Exército, o imperador de Habsburgo com seus invasores e os soviéticos com seus camaradas”, disse Orban em um comício para mais de 100 mil pessoas no centro de Budapeste no mês passado. “Agora vamos mandar o tio George para casa.” Foi uma referência ao financista judeu americano George Soros, que Orban define como o principal vilão da política do país.

É particular­mente irritante para alguns observador­es em Bruxelas que Orban possa conduzir uma campanha dessas enquanto bebe profusamen­te do poço econômico da União Europeia. A UE, generosa em ajuda e subsídios – em 2016, a Hungria recebeu US$ 5,5 bilhões em fundos da UE, apesar de contribuir com cerca de US$ 1,2 bilhão – fundos que ajudaram o líder a financiar programas gigantesco­s de obras públicas e reduzir o desemprego. “Orban está travando sua luta pela liberdade contra a UE com enormes quantidade­s de dinheiro europeu”, disse Peter Kreko, diretor executivo da firma de pesquisa política Political Capital, com sede em Budapeste. “Lenin disse: ‘Os capitalist­as nos venderão a corda com a qual nós os enforcarem­os’. Bem, a UE não a está vendendo. Está dando de graça a Orban.”

Enquanto isso, o lugar do Fidesz dentro do Partido Popular Europeu, uma poderosa aliança de centro-direita no Parlamento Europeu, dá a ele um grau de cobertura política. Orban pode contar com o apoio de proeminent­es políticos da Europa Ocidental, incluindo importante­s figuras do partido irmão de Merkel, da Baviera, que compartilh­a da antipatia de Orban por migrantes. Este apoio institucio­nal, dizem os críticos, impediu a União Europeia de adotar uma linha mais dura com a Hungria.

Jan-Werner Muller, cientista político de Princeton, em um artigo escrito para o The New York Times, disse temer que a votação de hoje marque um momento de avaliação para a Europa. “Esta eleição provavelme­nte é a última antes que a Hungria mude do que já é uma democracia profundame­nte danificada para o que os cientistas políticos chamariam de uma autocracia eleitoral plena”, escreveu ele. “As eleições ainda seriam realizadas no futuro, mas um real revezament­o de poder seria impossível. Assim, o escrutínio também é um teste para saber se pode haver uma autocracia dentro da União Europeia, um autodeclar­ado clube de democracia­s.”

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DARKO VOJINOVIC/AP Tradição. Orban em evento eleitoral na última sexta; contrário a imigrantes, premiê se define um democrata não liberal, defensor da cultura de seu país

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