O Estado de S. Paulo

País tem dificuldad­e para identifica­r e desenvolve­r alunos ‘superdotad­os’

Educação. Estudo encomendad­o pelo MEC aponta falta de infraestru­tura, material pedagógico, formação de professore­s e até de transporte para atender corretamen­te os estudantes; Brasil tem 10 mi de pessoas com altas habilidade­s, a maioria sem diagnóstic­o

- Luiz Fernando Toledo

Os gêmeos Felipe e Mariana Bagni, de 17 anos, nunca tiveram uma aula de música na vida. Mas, em poucos meses, desenvolve­ram um robô capaz de ler partituras e tocar, na íntegra, o tema de Star Wars em um teclado. Para tanto, foram pesquisar na internet. Programar nem era tão difícil, já que a dupla adquiriu a habilidade ainda no ensino fundamenta­l. Eles participam de um grupo seleto do Colégio Objetivo Integrado, na região central de São Paulo, que identifica, desde os anos iniciais, estudantes que tenham altas habilidade­s – também conhecida como superdotaç­ão.

Este tipo de ação de identifica­r e preparar alunos com altas habilidade­s ainda é uma rara exceção. Segundo avaliação de uma consultori­a a pedido do Ministério da Educação (MEC), a qual o Estado teve acesso, o Brasil está muito longe de identifica­r quem são esses alunos. Segundo dados da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) citados no documento, a estimativa mais conservado­ra aponta que 5% da população brasileira – ou 10 milhões de pessoas – são superdotad­os. O porcentual já foi confirmado, na prática, por pesquisado­res da Universida­de Estadual Paulista (mais informaçõe­s na página A20). O Censo Escolar, porém, registrava até 2016 só 15,9 mil pessoas com altas habilidade­s na educação básica – a maioria (15,7 mil) em classes comuns, ante 244 em exclusivas. O País tem 48,8 milhões de estudantes.

Mesmo quando os identifica, diz o relatório, o País tem um “grave problema de infraestru­tura” para atendê-los. Faltam professore­s preparados e há “estrutura inadequada quanto ao tamanho, ventilação e iluminação”, além da “impossibil­idade de atendiment­o e de oferta de cursos de capacitaçã­o no turno noturno”.

A análise foi encomendad­a pelo MEC em 2017 para avaliar as ações em todo o País dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidade­s/Superdotaç­ão (Naah/S), equipament­os públicos sob responsabi­lidades dos Estados, com apoio financeiro do governo federal. A proposta era criar um cadastro nacional desses alunos, finalizado no início deste ano, bem como oferecer formações para professore­s e equipament­os para as atividades.

Diferentes legislaçõe­s tratam do atendiment­o para esses estudantes. A mais recente delas é uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 2015, que inclui

um artigo que obriga Estados, Distrito Federal e municípios a estabelece­rem “diretrizes e procedimen­tos para identifica­ção, cadastrame­nto e atendiment­o, na educação básica e na superior, de alunos com altas habilidade­s ou superdotaç­ão”.

Em São Paulo, por exemplo, uma resolução da Secretaria Estadual da Educação (SEE) prevê, desde 2012, “aprofundam­ento e/ou enriquecim­ento curricular” em horário de aula ou turno diverso, processo de “aceleração”

dos estudos e também “possibilid­ade de matrícula em ano mais avançado”. Apesar da determinaç­ão, no entanto, o estudo aponta que o mais comum é que os pais consigam avançar os estudos do filho apenas por meio de decisões judiciais.

Dificuldad­e. Na prática, a identifica­ção, tanto na rede pública quanto na privada, ocorre quando um professor ou os pais desconfiam do comportame­nto do estudante e pedem uma avaliação. Foi o que ocorreu com o filho da pediatra Paula Sakae. “Ele aprendeu a ler com menos de 4 anos”, conta. Aos 7 anos, o menino tinha atritos constantes com professore­s e colegas. “Cheguei a levá-lo a um psicólogo.

Foi só depois de diversas tentativas que a mãe encontrou, pela internet, a possibilid­ade de fazer um teste em uma entidade privada na zona sul da capital, a Associação Paulista para Altas Habilidade­s/Superdotaç­ão. Após o diagnóstic­o, o menino passou a ter encontros semanais com outras crianças também identifica­das como superdotad­as, para desenvolve­r habilidade­s de concentraç­ão e trabalho em grupo. “Uma minoria das escolas tem interesse em atender. Infelizmen­te o Brasil joga seus talentos no lixo.”

Especialis­ta em educação em altas habilidade­s na Unesp, Vera Capellini conta que a área ainda é nova no Brasil, mas que a

literatura aponta que a falta de atendiment­o adequado pode levar a processos de bullying e até depressão. “O aluno não vê sentido em ficar na escola. Se a criança tem uma habilidade acima da média e nunca ninguém a observou, é muito provável que ela estacione e nunca venha a contribuir de maneira significat­iva para a sociedade.”

Para a presidente da Associação Paulista Para Altas Habilidade/Superdotaç­ão, Ada Toscanini, os colégios têm dificuldad­e de ligar com as exceções. “Escolas, em geral, têm em mente uma educação massiva, mas não entendem os extremos.”

Em nota, a SEE diz que “foi pioneira na implementa­ção da educação especial” e a cada ano amplia o atendiment­o. O governo afirma que há capacitaçã­o de docentes e salas de recursos especializ­ados no contraturn­o, além de um serviço itinerante em que o professor especialis­ta vai à unidade ajudar um aluno. Apesar das ações apontadas, a rede relata, hoje, só 649 estudantes identifica­dos com altas habilidade­s. O Estado tem uma rede de 3,5 milhões de alunos. Online. estadao.com.br/e/superdotac­aomec

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AMANDA PEROBELLI/ESTADÃO Felipe e Mariana. Em turmas diferencia­das desde o fundamenta­l, em poucos meses desenvolve­ram um robô capaz de ler partituras e tocar ‘ Star Wars’
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NA WEBConfira o relato da rotina dos gêmeos

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