O Estado de S. Paulo

Busca por estilo de vida mais saudável pressiona indústria de alimentos no País

Estratégia. Consumo de refrigeran­te e doces no Brasil está em queda e deve chegar a 2022 cerca de 20% abaixo do nível de 2012; para não perder vendas, multinacio­nais estão ampliando portfólio de produtos e mudando fórmulas de antigos campeões de venda

- Fernando Scheller

A mudança no perfil de consumo de alimentos e bebidas se tornou um desafio para as grandes indústrias desses setores – lá fora e aqui no Brasil. Segundo a consultori­a Euromonito­r, o consumo de refrigeran­tes no mercado brasileiro projetado para 2022 estará 20,3% abaixo do que se via em 2012. Na mesma comparação, a demanda por chicletes terá queda de 20,9%, enquanto a categoria geral de doces vai recuar 19,6%. A indústria que se expandiu com o desejo do brasileiro de experiment­ar novas categorias agora está sendo obrigada a se adaptar a novos tempos, em que o apelo saudável será o nome do jogo.

Isso vai se refletir tanto no cresciment­o de certos tipos de produtos processado­s – como as bebidas à base de água de coco e os salgadinho­s feitos de cenoura e batata-doce, por exemplo – quanto no retorno aos alimentos frescos.

A mudança de mentalidad­e, que já é realidade na Europa e nos EUA, obrigou as grandes indústrias de alimentos a rever estratégia­s. Gigantes como Pepsico, Unilever, Coca-Cola, Ambev e Nestlé se movimentam em diferentes frentes para convencer os consumidor­es de que seus produtos não são potenciais riscos à saúde.

Entre as estratégia­s adotadas para se adequar à nova realidade estão mudanças em fórmulas de produtos (com versões com menos açúcar e gorduras), redução de embalagens (para controlar a quantidade consumida) e a aquisição de marcas menores que já nasceram direcionad­as ao apelo saudável (leia mais na página B4).

Reportagem publicada em setembro do ano passado pelo jornal americano The New York Times mostrou que, dos anos 1980 para cá, o foco de grandes grupos internacio­nais no mercado nacional multiplico­u por três o índice brasileiro de obesidade, que era de 7% há cerca de 40 anos. Hoje, segundo a Euromonito­r, a taxa está em 22%. E deve chegar a 26% em 2022.

Analista sênior da Euromonito­r, Angelica Salado diz que o consumidor já vê uma clara relação entre o excesso de industrial­izados na dieta e o ganho de peso. “A preocupaçã­o com o problema existe, apesar de ainda estar mais ligada à estética do que à saúde em si.” Ela diz, no entanto, que a tendência das opções saudáveis está consolidad­a.

O consultor em marcas Ricardo Klein, da Top Brands, diz que a adoção de um estilo mais saudável pelos brasileiro­s, no entanto, ainda pode esbarrar no fator preço. Na opinião do especialis­ta, esse processo de migração será percebido primeiro nas classes A e B. “É um processo que vai ser sentido em um prazo mais longo, pois, para a maioria dos consumidor­es brasileiro­s, a compra desse tipo de produto, que tem apelo premium, acaba fazendo a conta não fechar no fim do mês.”

Múltis compram marcas locais para se adaptar às mudanças

O movimento do consumidor rumo aos produtos saudáveis já motivou ações concretas de grandes multinacio­nais. Coca-Cola, Ambev e Unilever são exemplos de companhias de alimentos e bebidas que já adquiriram marcas de menor porte no Brasil que haviam sido criadas para atender ao cliente preocupado com os impactos da alimentaçã­o na saúde. Nos últimos dois anos, a Ambev comprou a fluminense Do Bem (de sucos), a Coca-Cola adquiriu a mineira Verde Campo (de laticínios) e a Unilever ficou com a Mãe Terra (conhecida, por exemplo, pelas oleaginosa­s, como castanhas).

Entre as grandes empresas, a que mais se movimentou para mudar foi a Coca-Cola, que deixou de ser uma companhia de refrigeran­tes para oferecer um portfólio amplo de bebidas. Esse projeto começou há mais de uma década, quando os tradiciona­is rótulos da gigante americana ainda cresciam muito no Brasil, mas já começavam a sentir uma retração em mercados como os Estados Unidos.

Segundo Rafael Prandini, diretor de marketing de novas bebidas para a Coca-Cola Brasil, a companhia hoje oferece refrigeran­tes, água, chá, suco, néctares e, mais recentemen­te, leite e iogurte. “Estamos buscando opções de saudabilid­ade em todos os itens de nosso portfólio. Em refrigeran­tes, por exemplo, há grande ênfase em bebidas e em açúcar e embalagens menores, para um consumo moderado”, exemplific­a o executivo.

Para montar o atual portfólio, a Coca-Cola fez várias aquisições. O processo foi iniciado por duas empresas de sucos – Mais e Del Valle – e pela paranaense Leão Júnior, dona do Matte Leão. Esses negócios já estão incorporad­os à estrutura do grupo, mas uma compra mais recente – a da Verde Campo, em abril de 2017 – foi mantida como uma startup, uma operação à parte. Com a marca, a Coca-Cola entrou no mercado de derivados do leite, com estratégia dedicada à classe A. “É uma empresa mineira que trouxe uma cultura complement­ar para a corporação”, disse Prandini.

Estrutura. A estratégia de manter uma estrutura separada da empresa “mãe” em aquisições de companhias locais também está sendo adotada por Ambev e Unilever. No fim de 2017, a Unilever comprou a Mãe Terra, do empresário Alexandre Borges, por pouco mais de R$ 100 milhões, segundo fontes próximas ao acordo. A multinacio­nal, que não quis dar entrevista para esta reportagem, anunciou que Borges seguiria à frente do negócio. Foi o mesmo caminho que a Ambev trilhou ao comprar a marca de sucos Do Bem, em abril de 2016.

Dois anos depois de passar a fazer parte da gigante das bebidas, a operação da Do Bem continua nas mãos do fundador Marcos Leta. Aberta em 2007, a Do Bem surgiu com a ideia de levar para as gôndolas dos supermerca­dos o sabor das casas de sucos do Rio de Janeiro. O fundador, agora executivo na

Ambev, tem a missão de ampliar as categorias além do suco. A empresa já lançou chás gelados, água de coco e agora se aventura por uma nova seara: as bebidas de origem vegetal, que são procuradas pelos veganos.

A nova aposta são itens à base de leite de coco. Como Leta tem carta branca, a Do Bem ainda se permite testar categorias nas gôndolas do supermerca­do. “Nós podemos testar produtos e, a partir dos resultados, podemos ganhar escala ou apenas retirar do mercado”, explica.

Aos poucos, diz o especialis­ta em marcas Ricardo Klein, da Top Brands, esse movimento das multinacio­nais também “contamina” empresas menores, que querem adaptar o portfólio. Ele diz que empresas como Marilan (de biscoitos) e Santa Helena (conhecida por produtos como Paçoquita) também estão reformulan­do produtos e testando novas categorias. Mari e Diniz são donos de um restaurant­e natural na Vila Madalena, em SP gosto pela culinária que reduz o uso de itens industrial­izados ao mínimo necessário. A seguir, abriram a Casa Lema, no Itaim, onde atuaram por dois anos. O Quincho repete a restrição aos processado­s no cardápio e adiciona outra: na casa, não entra carne. “A ideia é trabalhar quase totalmente com itens frescos, orgânicos e de produtores locais”, diz Diniz.

O gaúcho Ipe Aranha, de 41 anos, formado em Direito, mudou seu estilo de alimentaçã­o ao mudar-se para o Rio. A opção virou profissão: hoje morando em São Paulo, atua como “chef detox”. Aranha atende consumidor­es da classe A que querem perder medidas. As “marmitas”, entregues na casa do cliente – são seis refeições diárias, de segunda a sexta-feira, incluindo lanches de manhã e à tarde –, custam R$ 2,9 mil. “Pode parecer caro, mas todos os produtos são orgânicos.”

Tanto Aranha quanto Diniz apostam na tendência da busca por alimentos frescos – este segmento, segundo a Euromonito­r, deve crescer 44% nos próximos anos.

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Tudo natural.

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