O Estado de S. Paulo

Boa ideia não garante negócio sustentáve­l, dizem especialis­tas

Custo de bicicletas e manutenção, viagens com preço baixo e risco de multas podem frear operação da startup

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À primeira vista, compartilh­ar bicicletas com ajuda de aplicativo­s parece uma grande ideia. Para o usuário, é fácil, barato, não polui, pode diminuir congestion­amentos, além de ajudar na saúde. No caso da Yellow, a experiênci­a prévia dos sócios – Ariel Lambrecht e Renato Freitas, pela 99, Eduardo Musa, pela Caloi – também conta bastante. Mas, segundo fontes ouvidas pelo Estado, colocar o negócio de pé na cidade de São Paulo pode ser uma tarefa bastante complicada.

Há algumas razões para isso. Para começar, o preço médio das viagens será baixo. Segundo regulação aprovada pela Prefeitura de São Paulo, cidade onde a empresa começará suas atividades, o valor máximo a ser cobrado pelo empréstimo da bicicleta será R$ 8 – o equivalent­e a duas passagens de ônibus ou metrô. A Yellow quer cobrar menos. “Nosso serviço tem de ser mais barato que uma passagem”, diz Eduardo Musa, presidente executivo da startup.

Outro fator é o custo inicial para colocar as bicicletas na rua. Na Yellow, além de desenvolve­r um sistema e conquistar usuários, a Yellow também precisa

gastar com suas próprias bicicletas. “A 99 não precisou comprar ou consertar nenhum carro. A Yellow vai precisar de recursos para comprar as bicicletas, cuidar da manutenção e eventuais roubos ou atos de vandalismo”, diz Paulo Furquim de Azevedo, coordenado­r do centro de estudos

em negócios do Insper. “O aporte de US$ 9 milhões é um excelente começo, mas é só suficiente para começar o negócio.”

Algo que também pode pesar nas contas da empresa é a ideia de permitir que os usuários deixem a bicicleta em qualquer lugar, sem usar estações – caso elas obstruam a passagem em calçadas ou ruas, a Yellow poderá ser multada.

Tipo importação.

No exterior, o compartilh­amento de bicicleta já é uma realidade para os usuários – mas ainda precisa se provar enquanto negócio. Segundo apurou o Estado, a vasta maioria das empresas que atuam no setor ainda não é capaz de dar lucro. É um jogo de apostas altas – e muito risco.

Na China, onde a bicicleta é há tempos um meio de transporte popular, as startups conquistar­am, juntas, mais de US$ 2 bilhões em aportes nos últimos dois anos. Muitas delas, porém, perderam o fôlego e já deixaram o mercado – como Bluegogo, Coolqi e Mingbike –, deixando para trás cemitérios de “magrelas” em ferros-velhos nas grandes cidades do País.

Dois nomes permanecem vivos. A chinesa Ofo, apoiada por Alibaba e Didi Chuxing e citada como inspiração e mentora da Yellow, e a Mobike, que foi comprada por US$ 2,7 bilhões no fim de 2017 pelo aplicativo de recomendaç­ões Meituan Dianping. Nos Estados Unidos, o setor ainda é disputado por uma série de pequenas empresas – além de nomes como Uber e Ford, que testam soluções parecidas. A cultura “do carro”, porém, é um fator difícil de superar nos EUA.

Para especialis­tas, o apoio do governo é importante para a consolidaç­ão de negócios de compartilh­amento de bicicletas. No caso de São Paulo, a experiênci­a de construção de ciclovias na gestão de Fernando Haddad (2012-2016) é citada como fator crucial para que uma empreitada como a da Yellow seja possível agora.

“Receber um impulso do poder público pode fazer diferença na viabilidad­e do negócio”, diz Furquim. Questionad­o sobre o assunto, o secretário municipal de transporte­s, Sérgio Avelleda, resume a questão de forma simples. “Criamos um ambiente regulatóri­o para o negócio funcionar bem, mas o risco é das empresas”, diz ele, afirmando que está disposto a fazer ajustes nas regras.

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JASON LEE/REUTERS Febre. Garoto chinês usa bike da Ofo, inspiração da Yellow

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