O TEMPO NA CONCEPÇÃO DA FÍSICA MODERNA
Ao escrever sobre os fenômenos da física, Carlo Rovelli acabou se transformando em um sucesso. O primeiro livro do físico italiano, Sete Breves Lições de Física (2014), vendeu mais de um milhão de cópias. Agora chega ao Brasil seu terceiro trabalho, A Ordem do Tempo. Sem fórmulas matemáticas, Rovelli apresenta ao leitor a discussão sobre o tempo desde Aristóteles às últimas descobertas. Ele explica, por exemplo, que o tempo não existe como o conhecemos e que passa mais devagar quanto maior for a gravidade. Ou seja, sua cabeça envelhece ligeiramente mais rápido que seus pés por estar mais longe da Terra. No livro, a discussão não se restringe à ciência e fala das emoções que o tempo causa, como disse em entrevista ao Aliás.
• Como foi sua reação depois do sucesso de ‘Sete Breve Lições de Física’?
O livro foi escrito para o público em geral. Eu não pensava que teria tantos leitores. Foi escrito um pouco por acaso. Eu escrevia para um jornal
italiano e um editor me pediu para fazer um livro baseado nos artigos. Evitei no início, depois mudei de ideia. Mas não era para os apaixonados, a ideia era fazer um livro completamente fora da física, em que se explorasse as ideias centrais.
• Como é discutir ciência em tempos de tantas mentiras, como a da Terra plana?
Esse livro é mais denso que Sete Lições, mesmo sendo para o grande público. A primeira parte conta as ideias erradas que tivemos sobre o tempo e as coisas que a física descobriu e que as pessoas não sabem. É curioso quantas coisas não se sabe, coisas simples como o tempo que passa em velocidade diversa em altitudes diferentes.
• Por que não sabemos?
Talvez porque se precisa de tempo para que essas coisas se difundam ou ninguém pensou em contar de maneira mais simples. Muita gente tem medo da ciência e a vê como difícil e distante. É verdade que algumas coisas que conto são conhecidas há cem anos, mas só recentemente
que foram feitas confirmações, experimentos e provas. Quando Copérnico compreendeu [que a Terra gira em torno ao Sol] foi necessário mais de um século antes que todos se convencessem.
• No livro, o senhor fala que a capacidade de compreender antes de ver é o coração da ciência.
Sim, um pouco da magia da ciência é a arte de compreender as coisas antes de vê-las. É o que fazemos na vida quando procuramos indícios antes de saber algo, procuramos descobrir as coisas nos baseando em sinais. Como faz um caçador que vê pegadas e sabe que ali há uma gazela. É próprio do homem imaginar, e a ciência é essa arte. Na história, imaginamos coisas extraordinárias que depois se revelaram verdade.
• Com nossa experiência limitada é difícil a compreensão de que o tempo não existe de fato?
Sim, porque vivemos em nossa escala. Na pequena velocidade em que nos movemos, temos uma noção muito imprecisa do tempo. É difícil nos darmos conta de que as coisas não são assim.
Mas é a mesma dificuldade que o homem teve para aprender que a Terra era redonda no começo. Que era fora da experiência imediata, portanto é necessário tempo para digerir que o mundo é diferente daquilo que parece. Isso é o belo, aprendemos como as coisas são, mas descobrimos que não são como pensávamos antes.
• Se a concepção de que o tempo não existe fosse adotada por nós, o que mudaria?
Nada. Para o nosso cotidiano, mesmo saber que a Terra gira não muda qualquer coisa. Para nós, o tempo se mantém como é. Talvez abra a mente para saber que as coisas não são o que parecem. É um passo a mais na compreensão do mundo. Não creio que haverá mudanças concretas no modo como vivemos o tempo. Continuaremos vivendo, envelhecendo e tendo pouco tempo.
• Portanto o tempo humano não vai morrer?
Não, o tempo humano é o tempo humano. Mas não é o mesmo que o da natureza. Aprendemos que essa noção de tempo que conhecemos só funciona para nós, não para o geral. O meu livro fala muito do tempo humano. A parte final é muito dedicada a ele. Fala de poesia, de literatura, de música e fala também do medo da morte. Porque penso que, para nós, o tempo é muito ligado ao medo de envelhecer, de perder e de morrer.