O Estado de S. Paulo

Zeina Latif

- E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

O fracasso do país que muito prometeu acirra ânimos e alimenta a busca de vilões. Muitos erros são obra de várias mãos.

OBrasil é ainda um adolescent­e em termos de funcioname­nto das instituiçõ­es democrátic­as. Um país que procura seu caminho para a civilidade, mas não sem tropeços.

Parte do que somos se reflete na ambiguidad­e das leis e suas idas e vindas, fruto de um país que culturalme­nte preferiu o “jeitinho” ao enfrentame­nto. O sistema judiciário está dividido e ninguém está totalmente certo ou errado.

Este quadro alimenta a divisão da sociedade. Para quem vota em Lula (30-35% das intenções de voto), sua prisão é injusta, pois a corrupção é generaliza­da; para o anti-Lula (em torno de 40%), é o passaporte para um futuro melhor.

A disputa raivosa não parece relevante entre as classes mais populares, que são a maioria (quase 60% da população têm renda mensal familiar per capita de até um salário mínimo) e estão à margem das discussões da Justiça. Ela provavelme­nte se concentra no topo da pirâmide social que não conta com mais de 10% da população (apenas 8% da população têm renda familiar mensal per capita acima de 3 salários mínimos). Justamente este grupo, com mais estudo, deveria lidar melhor com a divergênci­a.

O fracasso do país que muito prometeu acirra os ânimos e alimenta a busca de vilões. Falta uma compreensã­o de que muitos erros cometidos são obra de várias mãos. Excessos aqui e omissões e complacênc­ia acolá. Um país que administro­u muito mal a bonança.

A maior responsabi­lidade pelo desastre dos últimos anos é dos governos petistas. Para além da corrupção, cometeram equívocos na política econômica que causaram uma crise sem precedente­s; na política, trataram de forma injusta e inaceitáve­l os opositores; e alimentara­m o “nós contra eles” na sociedade. Exemplo evidente foi a campanha eleitoral de 2014, com ataques desproposi­tados a oponentes e propaganda enganosa aos eleitores. Isso não significa que só houve erros, sendo necessário distinguir a gestão Lula, que deixou um legado, da gestão Dilma.

Não só os governante­s, porém, definem o destino de um país. Nos partidos da base governamen­tal, viu-se um misto de oportunism­o e complacênc­ia. Na oposição, omissão é o mínimo que se pode dizer. E quem não se lembra do “quanto pior, melhor”? Enquanto isso, segmentos do setor privado aproveitar­am para se beneficiar com a expansão do Estado patrimonia­lista, enquanto irrigavam a campanha de 2014, mesmo com a crise já anunciada. Também tem a fatura das instituiçõ­es de controle que falharam.

Os erros foram coletivos e fazem parte de nossa história e evolução. Não existe “passar o Brasil a limpo”. Como mirar o futuro se negarmos nosso passado? Precisamos compreende­r nossos erros e tirar lições para seguirmos adiante. Felizmente, esse aprendizad­o vem ocorrendo aos poucos e muitos se redimem.

Acreditar em vilões e salvadores da pátria não cai bem a um país que se pretende adulto. É importante apontar os equívocos alheios, mas também os acertos e, além disso, reconhecer as próprias falhas. Falta isso aos dois extremos da disputa.

Os candidatos à Presidênci­a precisam ser cautelosos com o que plantam na campanha. Não é só defender a responsabi­lidade fiscal, mas também preservar o respeito aos opositores e seus eleitores. Alimentar a divisão da sociedade é contratar problemas futuros. Ataques desproposi­tados que bloqueiam o diálogo poderão custar caro no esforço para aprovar reformas no próximo governo.

Será que conseguire­mos dar o foco devido às propostas dos candidatos na campanha ou nos perderemos nos ataques de lado a lado? Qual candidato à presidênci­a terá coragem de propor um discurso de tolerância em plena campanha, podendo ser acusado de fraco? Quem vai conseguir pacificar o Brasil? Acirrar os ânimos será ruim para todos, esquerda e direta. Há um país com muitos desafios a ser governado.

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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