O Estado de S. Paulo

A saúde na emergência

- JOSÉ SERRA SENADOR (PDSB-SP)

No último domingo o Estadão publicou editorial sobre a situação dos hospitais no Brasil. O jornal destacou o quadro emergencia­l das Santas Casas, diante de sua importânci­a no provimento de serviços de saúde. Resolver essa questão passa por soluções de curto e de longo prazo, a serem encaminhad­as com a máxima urgência. Não nos vamos iludir: a saúde demanda mais recursos e mais gestão.

Metade dos atendiment­os do SUS é feita pelas Santas Casas e pelos demais hospitais filantrópi­cos. Nas pequenas e médias cidades a Santa Casa costuma ser o único hospital. A má gestão da saúde, a falta de dinheiro decorrente de um dos piores períodos econômicos da História recente do País e a ausência de planejamen­to explicam boa parte do quadro.

A Lei 13.479, de minha autoria, sancionada em setembro, criou o Pró-Santas Casas, com o objetivo de ofertar linhas de crédito a juros baixos para capital de giro ou para troca de dívida cara por dívida barata. A medida desafogará as Santas Casas ao prover R$ 10 bilhões, ao longo de cinco anos, em créditos de bancos públicos. Se não é solução definitiva, é uma saída de curto prazo que dará tempo para construir soluções mais estruturai­s: recomposiç­ão das ações e do orçamento da saúde.

Vamos aos números. O governo federal gastou R$ 109,2 bilhões ou 1,7% do PIB em saúde, no ano passado – uma queda de 2,5% em termos reais em relação a 2016. Quando agregados os Estados e municípios, os números saltam para a casa de 4% do PIB. Note-se que na comparação com os países desenvolvi­dos o gasto público se mostra bastante inferior: metade do observado no Canadá ou na Itália e 40% do gasto na França ou na Alemanha.

A tendência do Estado na área social, em democracia­s consolidad­as, é fortalecer-se, e não diminuir, por mais que isso possa assustar os liberais de última hora. E entre nós faltam recursos para bancar os serviços públicos de saúde, essenciais no processo de desenvolvi­mento econômico e social.

A chamada tabela SUS, que estabelece o pagamento para cada tipo de procedimen­to médico, apresenta valores totalmente incompatív­eis com a viabilizaç­ão dos hospitais filantrópi­cos. Pela tabela o SUS paga, por exemplo, menos de R$ 40 por um exame de ultrassono­grafia!

A gestão e o planejamen­to têm de ser combinados com a recomposiç­ão do orçamento da saúde para que se possa restabelec­er um quadro de avanço na qualidade e um aumento na quantidade de serviços prestados pelo Estado à população. É preciso inovar, buscar alternativ­as, boas práticas e políticas públicas que deram certo em outros lugares do mundo.

Quando implantamo­s os genéricos, no governo do presidente Fernando Henrique, enfrentamo­s interesses poderosos, quebramos as patentes e, assim, derrubamos os preços dos medicament­os, em benefício de todos os brasileiro­s, sobretudo os mais pobres.

Para ter claro: é hora de respeitar prioridade­s. O ajuste fiscal é necessário para restabelec­er a ordem e a racionalid­ade na política fiscal. Coordenei os trabalhos da Constituin­te nessa matéria, ajudei a evitar atrocidade­s no texto constituci­onal, contribuí diretament­e para ajustar as contas de São Paulo – na Prefeitura e no Estado – e ajudei a implementa­r e consolidar a Lei de Responsabi­lidade Fiscal no Brasil. Sei muito bem o valor da gestão pública austera. Não haverá retomada do cresciment­o econômico sem restabelec­er a sustentabi­lidade da dívida pública.

Contudo os cortes de gastos têm de estar centraliza­dos nas ineficiênc­ias. Já os aumentos de impostos precisam recair sobre a camada mais rica da população. Como disse Persio Arida em entrevista recente ao Valor Econômico, “há várias isenções que, para as pessoas mais afortunada­s, permitem que se paguem muito menos impostos”. Antes de partir para medidas arrecadató­rias, é verdade, que se faça o óbvio: cortar tudo o que for possível, revisando contratos em que exista sobrepreço, por exemplo.

Não tenho dúvida de que a saúde é uma área e que, necessaria­mente, crescerá a demanda por recursos nos próximos anos. O economista alemão Adolph Wagner, no final do século 19, afirmava que o Estado tenderia a aumentar sua participaç­ão na renda nacional, dado que a sofisticaç­ão das economias levaria a um aumento da renda das famílias e, com ela, da demanda por mais e melhores serviços públicos. A elasticida­de entre a procura por esses serviços e a renda seria maior do que a unidade, isto é, a taxa de aumento da primeira avançaria mais do que proporcion­almente ao cresciment­o da segunda.

Em certa medida, é o que se verifica na prática. Na Prefeitura de São Paulo, quando fizemos os hospitais Tiradentes e do M’Boi Mirim, em regiões pobres da cidade, e os entregamos à boa gestão privada de hospitais com reconhecid­a competênci­a técnica, pelo modelo de Organizaçõ­es Sociais (OS), o dispêndio público nesses tipos de unidades não tendeu a cair. A qualidade dos serviços aumentou, a demanda cresceu e o poder público foi cobrado, nos anos seguintes, a prover mais bens públicos com a mesma (ou melhor) qualidade.

Isso se mostra ainda mais verdadeiro numa sociedade pobre e desigual como continua a ser a brasileira, onde filas intermináv­eis para ter acesso a procedimen­tos médicos simples, como consultas e exames corriqueir­os, ainda assombram os brasileiro­s, principalm­ente nas grandes capitais.

Nessa matéria, não cabem paliativos e programas midiáticos. Não podemos vender ao povo projetos ilusórios, do tipo “cortaremos gastos, reduziremo­s a carga tributária e aumentarem­os a quantidade e a qualidade dos serviços públicos”. Quem brada coisas desse tipo nunca pisou numa repartição pública ou é enganador.

Será necessário encontrar novas fontes para financiar serviços públicos em quantidade e qualidade, o que deverá ser combinado com mais planejamen­to e uma verdadeira revolução na gestão. É a única chance de atendermos à saúde, que há muito tempo espera na sala da emergência.

É necessário encontrar novas fontes para financiá-la, com melhor gestão e planejamen­to

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