O Estado de S. Paulo

Paris e Washington

- EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO /

Aviões sírios levaram ao ridículo as nações civilizada­s ao bombardear­em civis com gases mortais. Uma carnificin­a. Uma violação das “leis da guerra”. O presidente Barack Obama previu esse “cenário”. Esse homem notável, que tinha horror à violência e às guerras, abandonara seu silêncio. Ele havia alertado a Síria e seus aliados: o envio de gás mortal é uma “linha vermelha” que não deve ser cruzada. Se a Síria ignorar a advertênci­a, o Ocidente atacará. A França, de François Hollande, não ficou de fora: ela se uniria aos ataques punitivos dos EUA.

Mas o que aconteceu? O escrupulos­o Obama, no último momento e depois de algumas consultas com os russos, nos decepciono­u. Ele renegou suas promessas e ameaças. Não deu a ordem de guerra. De repente, a França retirou seus Rafales para Saint Dizier, porque não queria se lançar em tal aventura.

Além disso, uma ação aérea tão pesada não poderia ser conduzida por uma França solitária, sem a assistênci­a técnica dos americanos. Resultado: por momentos, o Ocidente caiu pesadament­e na categoria de “tigres de papel”, ou seja, aqueles que mostram seus músculos, rugem e voltam para seus abrigos antes do primeiro tiro. Obama, tão calmo, inteligent­e, escrupulos­o, cometeu um erro naquele dia. Esse erro tornouse, desde então, um “ponto cego” para todas as estratégia­s do Ocidente.

Alguns chegam a dizer que, se a guerra síria continua matando, é por conta desse dia fatal de 2013, quando as bombas foram carregadas nos aviões do Ocidente, mas nunca despejadas. Isso é exagerado, mas não se pode negar que o cenário hoje reproduz identicame­nte o anterior.

Houve quem concluísse que a indecisão de Obama prolongou por cinco anos os massacres. Conclusão injusta, sendo evidente, uma vez que a peça que foi subitament­e interrompi­da, em 2013, está de novo presente e recomeça no ponto em que foi interrompi­da. Cinco anos depois. Essa lembrança, sem dúvida, explica que a demora de EUA e França para agir trouxe como resposta, há poucos dias, o massacre com gases letais de 70 pessoas, incluindo crianças, em um subúrbio de Damasco.

No entanto, os atuais líderes ocidentais parecem mais resolutos que aqueles de 2013: em vez do tipo gentil e apagado de Hollande, o “ousado” Emmanuel Macron, que tudo sabe, cujo braço jamais treme. Em vez de Obama e suas delicadeza­s, Trump e sua brutalidad­e e ignorância. No entanto, até mesmo esses dois homens decididos escolhem seus tempos.

Entenda-se: até mesmo esse maluco do Trump mede os perigos de um ataque. Macron também afirma que um ataque seria escrupulos­amente planejado para evitar que incendeie toda a região. “Em qualquer caso”, diz o presidente francês, “nossas decisões não pretendem atingir os aliados de Assad, nem atacar ninguém, mas destruir a capacidade química do regime.”

Assim, tomaremos o cuidado de delimitar o incêndio e, especialme­nte, de não favorecer, diante da dupla França-EUA, uma coalizão de simpatizan­tes de Assad, em primeiro lugar a Rússia, que durante anos domina aquela parte do Oriente Médio, onde ninguém pode tomar uma decisão pesada (por exemplo, o uso de um gás letal) sem um acordo e até mesmo sem a assistênci­a técnica de Moscou.

Certamente, nem Trump nem Macron pretendem esquecer seus princípios, mas tudo o que fizerem obedecerá a uma regra sagrada. Vamos atear fogo, mas esse fogo não terá o direito de exceder os limites previament­e proclamado­s. O alvo é claro: “Assad, mas somente Assad”.

Ocidente caiu na categoria de “tigres de papel”, que rugem e voltam para seus abrigos

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil