O Estado de S. Paulo

O dilema dos distratos assombra as empresas

Apesar de em número menor, disputas envolvendo cancelamen­to de compra são resolvidas na Justiça

- Gustavo Zucchi ESPECIAL PARA O ESTADO

Eduardo Zylberstaj­n Osanira Fernandes A crise econômica que atingiu o Brasil nos últimos anos expôs um racha no setor imobiliári­o. De um lado, as incorporad­oras e, do outro, consumidor­es e entidades que os defendem. No meio dessa briga estão os distratos. O número de rescisões de contratos firmados em imóveis na planta assombrou o mercado nos últimos anos. Em 2015, segundo a agência de risco Fitch, de cada 100 apartament­os na planta comprados no País, 41 foram devolvidos. Os vilões eram a alta taxa de juros, o aumento do desemprego e até mesmo a desvaloriz­ação dos imóveis, que muitas vezes passavam a valer menos já prontos do que no contrato feito na planta.

Dados da Associação Brasileira de Incorporad­oras Imobiliári­as (Abrainc)em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostram uma queda no número de distratos. Em 2016 a média mensal foi de 3.685 unidades distratada­s. Em, em 2017 esse número caiu para 2.882 unidades. Se considerad­os os distratos como proporção das vendas, por trimestre, as unidades lançadas no primeiro trimestre de 2014 apresentam a taxa de distratos mais elevada da série histórica (27,7%), enquanto quarto trimestre de 2017 teve apenas 0,1%.

Entretanto a queda no número de desistênci­as por parte de compradore­s não acalmou os ânimos. Hoje o entendimen­to da Justiça sobre a situação é favorável ao consumidor. Dependendo do caso, quem pede o distrato consegue recuperar entre 80% e 90% do valor pago à incorporad­ora.

“Eu fico um pouco espantado quando vejo associaçõe­s que protegem os consumidor­es não se preocupare­m com o conjunto dos consumidor­es de determinad­o empreendim­ento, mas só com aqueles que querem distratar”, explica o economista do Fipe-Zap e FGV, Eduardo Zylberstaj­n. O problema é que, ao comprar um imóvel na planta, o dinheiro vai para a obra.

Com uma regulação, os consumidor­es que estão na dúvida não vão comprar, mas isso não é ruim”

PROFESSOR DA FGV

Acho que 80% foi justo. Não tivemos traumas e vamos comprar outro imóvel”

CONSUMIDOR­A

Assim, custo do distrato sai do bolso da incorporad­ora. “Vimos algumas incorporad­oras quebrarem. E isso vira um problema para o mercado e para todos os consumidor­es”, diz.

Um exemplo dessa disputa judicial aconteceu com Osanira

Fernandes Salvador, de 32 anos, e seu marido Ronaldo Salvador, de 52. Moradores de Osasco, eles compraram um apartament­o na planta em Barueri. Após dois anos pagando os valores firmados em contrato, eles decidiram permanecer

onde estavam e pediram o distrato. “Ligamos para a construtor­a para ver o que poderiam fazer. Não queriam devolver nem metade do que foi pago, nem mesmo 20%. Aí, procuramos um advogado”, contou Osanira. Em poucos meses, receberam de volta 80% do que haviam pago. “Foi justo”, afirma.

“A possibilid­ade de rescisão contratual com devolução e a falta de regulament­ação dessa devolução fazem do Brasil um dos países com maior inseguranç­a jurídica neste segmento”, defende o presidente da Secovi-SP, Flavio Amary.

Do outro lado da questão, Marcelo Tapai, vice-presidente da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB/SP diz que é inconstitu­cional mudar a jurisprudê­ncia: “A partir do momento que o consumidor tem um ganho, já tem um direito garantido. E isso não pode retroceder desse jeito”,diz.

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GABRIELA BILÓ/ESTADÃO Cabo de guerra. Número de distratos caiu, mas empresas ainda tentam regulação mais favorável no Congresso
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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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