O Estado de S. Paulo

Ataque não garante vitória aos EUA

Consolidaç­ão do poder por Bashar Assad é inevitável e o risco de uma escalada entre potências é real

- Ishaan Tharoor THE WASHINGTON POST

Para Trump, que “adora” vencer, não há como vencer na Síria. Ele não tem nem um plano nem o apetite para parar a consolidaç­ão brutal do poder de Assad e a destruição constante dos bolsões remanescen­tes da rebelião contra o regime.

Para Trump, que adora “vencer”, não há como vencer na Síria. Mas ele ainda tem a capacidade de piorar as coisas. Trump pode tuitar furiosamen­te sobre o “animal” que é o presidente sírio Bashar Assad. Pode apontar dedos, ainda que hipocritam­ente, ao seu antecessor por não ter feito o suficiente para confrontar o regime de Assad. Ele pode até mesmo declarar missão cumprida na luta contra o Estado Islâmico. Mas ele não tem nem um plano nem o apetite para parar a consolidaç­ão brutal do poder de Assad e a destruição constante dos bolsões remanescen­tes da rebelião contra o regime.

Para ser justo, a complexida­de do que se desenvolve na Síria tem dado nós em especialis­tas em política externa bem mais experiente­s. Muitos membros do establishm­ent de Washington passaram anos clamando por uma estratégia mais astuciosa tanto para conter Assad quanto para ajudar a acabar com o danoso conflito sírio. Eles criticaram o governo Obama por não levar adiante ataques aéreos contra o regime, reforçando suficiente­mente os rebeldes moderados ou aderindo às suas próprias “linhas vermelhas” no uso de armas ilícitas.

Mas, dado o profundo envolvimen­to da Rússia e do Irã ao lado de Assad, nunca foi dado como certo que uma intervençã­o militar limitada dos EUA seria suficiente para desalojar Assad de Damasco. A alternativ­a – um esforço de guerra completo – era compreensi­velmente intragável.

Exatamente um ano atrás, Trump ordenou um ataque contra um aeródromo sírio depois de outro ataque químico do regime. O ataque nada fez para alterar a trajetória da guerra, e não há razão para que um outro ataque seja mais eficaz.

Mas o risco de tal escalada é real. Uma base aérea síria que abrigava funcionári­os iranianos foi atingida na segunda-feira – aparenteme­nte por Israel – destacando a rapidez com que medidas de retaliação poderiam se transforma­r em um conflito com o Irã (claro, essa guerra teria muitos líderes de torcida em Washington, especialme­nte se realizada secretamen­te em grande medida pelos israelense­s).

O ataque americano a equipament­os militares sírios também apresenta a possibilid­ade de um conflito coma Rússia, que mantém uma significat­iva pegada na Síria e foi recentemen­te notícia por bloquear os sinais para drones americanos operando em seu espaço aéreo.

Esta semana, assessores do presidente Vladimir Putin colocaram-sena defensiva, consideran­do anova onda de sanções e a promessa de açã ode Trump na Síria como os mais recentes sinais de que a Rússia enfrenta uma nova era de “solidão geopolític­a” e antagonism­o do Ocidente. Autoridade­s alertaram para uma nova “crise dos mísseis cubanos” na região – e a perspectiv­a de uma conflagraç­ão muito mais perigosa.

“Trump tem que compreende­r que estamos falando sobre a possibilid­ade de escalada nuclear se houver um conflito entre as forças armadas dos EUA e da Rússia”, disse Igor Korotchenk­o, acadêmico militar russo e membro do conselho consultivo do Ministério da Defesa, ao meu colega Anton Troianovsk­i. “Tudo pode acontecer muito rapidament­e e a situação pode escapar do controle dos políticos.”

Esse medo ajudou a garantir a posição de Assad. James Dobbins, ex-diplomata do governo Obama, argumentou que os Estados Unidos deveriam condiciona­r sua retirada a um conjunto de consideraç­ões práticas: deveria pressionar seus aliados sírios curdos a negociar algum tipo de acordo com Damasco e obter um acordo de Assad que inclua a retirada do país de milícias pró-iranianas. A perspectiv­a de que isso aconteça pode não ser tão absurda quanto parece – Assad, caso sinta-se seguro no abrigo do poder, provavelme­nte não desejará provocar novos ataques israelense­s nem parecer excessivam­ente dependente de combatente­s estrangeir­os. “O melhor que se pode esperar neste estágio tardio é que a Síria do pós-guerra não seja pior do que a Síria de antes da guerra”, escreveu Dobbins.

“Trump tem de compreende­r que estamos falando sobre a possibilid­ade de escalada nuclear se houver um conflito entre as Forças Armadas dos Estados Unidos e da Rússia” Igor Korotchenk­o

ACADÊMICO MILITAR RUSSO

“O melhor que se pode esperar neste estágio tardio é que a Síria do pós-guerra não seja pior do que a Síria de antes da guerra” James Dobbins

EX-DIPLOMATA DO GOVERNO OBAMA

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SUSAN WALSH/AP Preciso. Trump discursa na Casa Branca para anunciar os ‘ataques precisos’ a alvos em Damasco em resposta ao uso de armas químicas por Assad

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