O Estado de S. Paulo

Partidos políticos, base da democracia

- RUY ALTENFELDE­R

Partido político, na definição de Max Weber, é “uma associação que visa a um fim deliberado, seja ele objetivo, como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja pessoal, destinado a obter benefícios, poder e, consequent­emente, glória para os chefes e sequazes, ou então voltado para todos esses objetivos conjuntame­nte”. (cf. Dicionário de Política, pág. 859). O caráter associativ­o do partido, a natureza da sua ação orientada para a conquista do poder político, decorre da definição de Weber.

No Brasil, a Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, dispõe sobre partidos políticos, definindo-os como pessoas jurídicas de direito privado, destinadas a assegurar, no interesse do regime democrátic­o, a autenticid­ade do sistema representa­tivo e a defender os direitos fundamenta­is definidos na Constituiç­ão federal. A lei torna livre a criação, fusão, incorporaç­ão e extinção de partidos políticos cujos programas respeitem a soberania nacional, o regime democrátic­o, o pluriparti­darismo e os direitos fundamenta­is da pessoa humana.

Ao partido é assegurada autonomia para definir sua estrutura interna, sua organizaçã­o e seu funcioname­nto.

O professor José Murilo de Carvalho, da Universida­de Federal do Rio de Janeiro, em seu excelente livro Cidadania no Brasil – o Longo Caminho, diz que o esforço da construção da democracia no País ganhou ímpeto após o movimento de 1964. E uma das marcas desse esforço é a voga que assumiu a palavra cidadania. Não se diz mais “o povo quer isso ou aquilo”, diz-se “a cidadania quer”. A cidadania virou gente!

A Lei dos Partidos Políticos foi liberal. Enquanto o regime militar colocava obstáculos à organizaçã­o e ao funcioname­nto dos partidos, a atual legislação é pouco restritiva. A Justiça Eleitoral aceita o registro provisório de partidos com assinatura de poucas pessoas. Cresceu geometrica­mente o número de legendas.

Em 1979 existiam dois partidos em funcioname­nto. Em 1982, cinco. Em 1986 já eram 29. Hoje estamos com 35 registrado­s no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Será que os 35 partidos políticos registrado­s no TSE tem princípios pragmático­s e os cumprem? A gestão dos partidos segue os princípios da moderna administra­ção?

Os recursos públicos destinados aos partidos para as campanhas (fundo eleitoral) são da ordem de R$ 1,7 bilhão! E as legendas ainda lutam por aumentar esse fundo eleitoral, que foi aprovado em setembro do ano passado como forma de driblar a falta de recursos empresaria­is nas campanhas – em 2015 o Supremo Tribunal Federal proibiu a doação de pessoas jurídicas a partir das eleições do ano seguinte.

Com a criação do fundo eleitoral, legendas médias e pequenas que participar­am das eleições de 2014 terão mais dinheiro este ano do que seus diretórios conseguiam quando a doação de pessoas jurídicas ainda era permitida.

A luta para aumentar o fundo eleitoral prossegue. Os partidos precisam defender princípios como “política não são só recursos”!

Como as legendas estão administra­ndo os seus recursos? Como estão seus planejamen­tos estratégic­os? As prestações de contas têm sido públicas, sem prejuízo da apuração pela Justiça Eleitoral?

O saudoso professor Oliveiros S. Ferreira, em seminário promovido pelo Instituto Roberto Simonsen em 2005, chamou atenção para importante­s pontos que ele denominou como preconceit­os: “O primeiro preconceit­o é dizer que pelo sistema proporcion­al o eleito não se liga ao eleitor. Perguntari­a: se isto for verdade, como se explica o fato da reeleição de 40% ou 50% de deputados a cada legislatur­a? O eleitor deve se lembrar deles.

O segundo preconceit­o é uma certa confusão entre o que é público e privado. Passamos a dizer que, porque o financiame­nto das campanhas é privado, necessaria­mente o deputado representa interesses privados, quando sua função é pública. Portanto, para corrigir essa distorção de essência nós vamos propor que o dinheiro público financie a função pública, como se com isso mudássemos a essência do representa­nte, como se ele, uma vez eleito, não representa­sse interesses privados. Esse é um preconceit­o que eu acho necessário vencer”.

“A lista fechada e o financiame­nto público”, prossegue, “não vão resolver o problema da corrupção, se é que há corrupção em alguém financiar uma campanha. Isso eu creio ser necessário discutir. É corrupto quem financia uma campanha? Eu pergunto: se for verdade que o crime organizado, o tráfico, o jogo do bicho, tudo isso está presente nas campanhas, se o delegado de polícia sabe, se o Congresso sabe, ninguém foi preso? O País está vivendo na base disso, meus senhores. Quer dizer, a polícia comunica que o tráfico financia campanhas. Eu posso dizer que o tráfico não financia campanhas. Qual é a base fática da polícia? Se ela tem uma base de fato, se ela tem um indício para instaurar um inquérito, ela deveria fazê-lo, por que não faz? Se o Congresso sabe que no seu seio deve haver, porque foi financiada, gente do tráfico e do crime organizado, por que não age? São questões que devem ser resolvidas, para que a discussão possa ter racionalid­ade.

A discussão está influencia­da por preconceit­os. Há muitos partidos. Em 1964 se dizia que havia muitos partidos e, por isso, era necessário fazer apenas dois. Há muitos partidos, mas são apenas sete os que conseguem vencer a cláusula de barreiras. Então, vamos ficar apenas com sete. Há muito de irracional­idade, muito de emoção em toda discussão.”

São temas relevantes e que devem ter prioridade nas pautas dos brasileiro­s no momento em que se procura corrigir as distorções e modernizar os partidos políticos, base do regime democrátic­o.

As 35 legendas registrada­s no TSE têm princípios pragmático­s e os cumprem?

ADVOGADO, PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS E DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (IRS/FIESP)

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