O Estado de S. Paulo

A encruzilha­da americana no Oriente Médio

Donald Trump e seus assessores não conseguem entrar em acordo a respeito de uma estratégia na Síria

- CLAUDIA BOZZO TRADUÇÃO DE

Oataque químico de Bashar Assad na cidade de Duma, no dia 7, foi muito condenado. No entanto, punir o ditador da Síria é mais simples do que elaborar uma política coerente para o país. A campanha militar de Donald Trump contra os palácios e recursos militares de Assad não vai alterar o curso da guerra. Graças a seus protetores iranianos e russos, nada pode impedir Assad de, em certo sentido, vencer.

Um ataque retaliatór­io, no entanto, pode mudar o cálculo de Assad sobre o uso de armamentos químicos como meio de aterroriza­r a resistênci­a. Se ele concluir, tardiament­e, que o preço a ser pago pelo uso de armas proibidas se tornou muito alto de novo, Trump terá justificat­iva para levar algum crédito. Contudo, sob outros aspectos, o presidente americano está semeando confusão quanto aos objetivos dos EUA na Síria e ameaçando compromete­r seus interesses e os de seus aliados regionais.

Em um discurso supostamen­te sobre investimen­to em infraestru­tura, em 29 de março, o presidente declarou: “Estamos acabando com o Estado Islâmico. Nós sairemos da Síria muito em breve. Deixemos outras pessoas cuidarem disso agora.” Em 3 de abril, Trump disse ter tido “muito sucesso contra o EI, mas é hora de voltar para casa”.

Quase ao mesmo tempo, o general Joseph Votel e Brett McGurk, comandante militar dos EUA na região e enviado do Departamen­to de Estado à coalizão contra o EI, estavam transmitin­do uma mensagem muito diferente. Embora os jihadistas tivessem sido expulsos da maior parte do território que antes controlava­m na Síria, ainda havia bolsões a serem liberados. O general Votel advertiu que “a parte difícil está adiante”. As tarefas à frente, disse ele, são consolidaç­ão, estabiliza­ção e reconstruç­ão – e as duas primeiras exigem uma presença militar contínua.

Essa presença atualmente compreende cerca de 2 mil soldados americanos no leste da Síria, em grande parte engenheiro­s e soldados de operações especiais, que estão trabalhand­o e combatendo ao lado das Forças Democrátic­as da Síria (FDS), um grupo de milícias lideradas por curdos.

No ano passado, a FDS, com a ajuda do poder aéreo americano, libertou a maior parte das províncias orientais do país das mãos dos jihadistas do EI. Os americanos e a FDS operam em uma área ao leste do Eufrates. O rio funciona como uma linha de demarcação informal entre eles e as forças do governo russo, iraniano e sírio, que controlam o oeste do território. Erros passados. Em janeiro, Rex Tillerson, então secretário de Estado, fez um discurso de longo alcance sobre os objetivos do governo dos EUA na Síria. Prometendo não repetir os erros de Barack Obama no Iraque e na Líbia, Tillerson disse que o compromiss­o militar dos EUA teria como base condições, mas sem um prazo determinad­o.

As tropas americanas permanecer­iam na Síria muito tempo depois da derrota do EI, tanto para garantir que ele não retornasse assim como para impedir que as forças iranianas e do regime entrassem nas áreas recentemen­te liberadas. Ele delineou cinco objetivos políticos: impedir que o EI e a Al-Qaeda ressurgiss­em na Síria; apoiar o processo de paz liderado pela ONU; conter a influência do Irã; ajudar a efetivar o repatriame­nto seguro dos refugiados sírios; e limpar o país de armas de destruição em massa.

Como uma declaração de intenções, estava muito distante do compromiss­o de campanha de Trump de destruir o EI rapidament­e e depois sair. Tillerson recebeu elogios de tradiciona­is especialis­tas em política externa, mas também havia ceticismo. Em depoimento no Congresso, Robert Ford, último embaixador dos Estados Unidos na Síria e implacável crítico do fracasso de Obama em armar rebeldes moderados antes que estes fossem desalojado por grupos mais extremista­s, descreveu as metas de Tillerson como admiráveis, mas basicament­e inatingíve­is, dados os recursos disponívei­s e a realidade local.

Grupos afiliados à Al-Qaeda estão no noroeste do país, distantes das forças americanas, disse Ford. O processo de paz da ONU foi fadado à irrelevânc­ia, acrescento­u. Além disso, a força dos EUA terá pouco impacto sobre a influência do Irã. A maioria dos refugiados deseja retornar ao território ocupado pelo regime e Assad mostrou pouco interesse em abrir mão de suas armas químicas, com Rússia e China bloqueando os esforços da ONU para obrigá-lo a fazer isso.

No entanto, isso não significa que a missão americana deva ser abortada, como Trump provavelme­nte gostaria. Para começar, haveria um sério risco de o EI ressurgir antes que as forças locais pudessem lidar com isso, sem ajuda. Mesmo que o EI não voltasse, com os americanos tendo se retirado, as forças do regime e as milícias apoiadas pelo Irã estariam em breve atravessan­do o Eufrates em uma tentativa de retomar território.

Um Irã encorajado (e a Rússia) veriam, sem dúvida, uma retirada americana da Síria como o provável prelúdio de uma saída do Iraque – e talvez do Oriente Médio em geral. A Turquia aumentaria seus ataques contra os aliados curdos sírios dos EUA no norte do país. A relativa segurança que as forças americanas levaram para alguns sírios se evaporaria. Finalmente, seria perdida a pequena vantagem conseguida recentemen­te pelos EUA no processo para determinar o futuro da Síria.

Os aliados dos Estados Unidos na região, particular­mente Israel e Arábia Saudita, querem não só ficar, como reforçar sua presença. O sucessor de Tillerson como secretário de Estado, Mike Pompeo, e o novo assessor de Segurança Nacional de Trump, John Bolton, querem um confronto com o Irã, sem ceder território.

James Mattis, o secretário de Defesa do Estados Unidos, está empenhado em terminar o trabalho que suas tropas iniciaram na Síria. Eles ainda poderiam convencer Trump. No entanto, a tendência do presidente é de prestar mais atenção no que diz seu instinto do que naquilo que sua base política quer. Se isso for uma retirada rápida, como ele prometeu na campanha, então é isso que acontecerá. /

Trump segue seu instinto: se ele sentir que deve se retirar da Síria, é isso o que acontecerá

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ALKIS KONSTANTIN­IDIS/REUTERS Sem saída. Protesto contra a guerra civil síria em Atenas, na Grécia

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