O Estado de S. Paulo

A luta contra a democracia

- JOSÉ MÁRCIO CAMARGO PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ECONOMIA DA PUC/RIO E ECONOMISTA DA OPUS INVESTIMEN­TOS

Após a condenação em primeira instância pela Justiça Federal, a rejeição de recurso em segunda instância no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, a negação de um habeas corpus (HC) no Superior Tribunal de Justiça e, finalmente, a rejeição de outro HC no Supremo Tribunal Federal, o juiz Sérgio Moro emitiu, na quinta-feira, dia 5/4, uma ordem de prisão contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em deferência ao fato de o réu ter ocupado a Presidênci­a da República, foi dado a ele a prerrogati­va de se apresentar voluntaria­mente à Polícia Federal até as 17:00 horas do dia 6/4.

Ao tomar conhecimen­to da ordem de prisão, o ex-presidente se dirigiu para o Sindicato dos Metalúrgic­os do ABC, supostamen­te com o objetivo de resistir, repetindo um comportame­nto adotado quando comandou as greves por melhores salários e contra a ditadura no final dos anos 70 do século passado. A partir deste momento, a liderança política construída ao longo de quase 40 anos começou a desmoronar.

Ao longo das aproximada­mente 48 horas que se seguiram, foi dado início a uma deliberada estratégia cujo objetivo era transforma­r uma prisão por crime de corrupção, com condenação em quatro instâncias da Justiça Federal, em uma prisão com conotação política. Enquanto os advogados do ex-presidente negociavam com a Polícia Federal como e onde ele iria se entregar, aumentava a radicaliza­ção fora do sindicato, incentivad­a por políticos e movimentos sociais (provavelme­nte estimulada pelo próprio ex-presidente), exigindo que ele resistisse à prisão.

O discurso do ex-presidente constituiu-se no ápice deste movimento. Além do tom extremamen­te agressivo, acusador, desafiador da Justiça, o discurso é pretensios­o, na medida em que se compara a Getúlio Vargas (“Eu não pararei porque eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia. Uma ideia misturada com a ideia de vocês”).

A comparação com Vargas é totalmente fora de propósito. Independen­temente de se concordar ou não com as políticas do governo Vargas, ele mudou estrutural­mente a História do Brasil. A adoção da CLT, o salário mínimo, a criação da CSN, FNM, Petrobrás, Vale do Rio Doce, BNDES são algumas das realizaçõe­s (positivas ou negativas) que, em conjunto, caracteriz­am o que os historiado­res passaram a chamar de a “Era Vargas”. Algo que somente agora, após mais de 70 anos, o País está conseguind­o desmontar.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem nada parecido a oferecer para a História. Seu maior legado positivo foi implementa­r o Bolsa Família, uma generaliza­ção do Bolsa Escola, um programa de transferên­cia de renda condiciona­do à manutenção das crianças na escola. Sem dúvida, um programa extremamen­te importante, cujo objetivo é reduzir a pobreza extrema e diminuir o custo de oportunida­de para as famílias pobres colocarem seus filhos na escola como alternativ­a ao mercado de trabalho. Ainda assim, somente foi adotado após o fracasso do programa Fome Zero no início do governo.

A herança mais danosa do governo

A herança mais danosa do governo Lula é o custo fiscal e parafiscal decorrente­s da corrupção

Lula é o custo fiscal e parafiscal decorrente­s da corrupção que quase destruiu a Petrobrás e outras estatais, da utilização do BNDES para financiar obras em países da América Latina e África, executadas por empreiteir­as brasileira­s mediante pagamento de propinas, a segunda pior recessão da história do País (2015/2016), a quase destruição da Eletrobrás como resultado da interferên­cia do governo na determinaç­ão dos preços da energia e o insustentá­vel aumento do déficit fiscal que irá afetar negativame­nte o cresciment­o da economia brasileira por anos à frente.

Como nos anos 70, ao receber a ordem de prisão o ex-presidente decidiu se refugiar e resistir junto a seus companheir­os do movimento sindical. Uma volta ao passado. Desprezou o fato de que lá atrás, nos anos setenta, estava lutando contra a ditadura militar. Hoje a luta é contra a democracia.

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