O Estado de S. Paulo

‘EM TUDO O QUE FAÇO HÁ O SOFRIMENTO DE MEU PAÍS’

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Concertist­a consagrada, habituada aos aplausos em salas de Viena, Nova York, Londres ou Salzburgo, a pianista venezuelan­a Gabriela Montero – que chegou na quinta-feira a SP e faz hoje sua última apresentaç­ão na Osesp – divide seus dias entre a música e uma persistent­e militância política contra Nicolas Maduro e seu governo. “Tudo o que faço e fiz nos últimos anos, como performer, compositor­a e ser humano, foi afetado pelo enorme sofrimento de meu país. A cada dia isso me corta o coração”, disse ela à coluna.

Por segurança, Gabriela, hoje com 47 anos, teve de abandonar Caracas, em 2010, e instalou-se em Barcelona. “Foi o preço que tive de pagar. Mas, para mim, o silêncio nunca foi uma opção.” Mudar seu país, admite, “não será tarefa fácil”. A seguir, trechos da entrevista.

Como você consegue conciliar a agenda de artista, os ensaios, com a militância política?

Não é fácil. Tenho passado um enorme tempo respondend­o a mensagens de gente que me pede ajuda, providenci­ando remédios para quem precisa, falando a jornalista­s, usando meus contatos nas redes para conscienti­zar os outros e ajudando nas campanhas humanitári­as. E então me dou conta de que sou também artista e tenho de entrar num palco com esse peso nos ombros. Felizmente, tenho a música para exprimir o tsunami de sentimento­s que carrego em mim e que percebo no contato com gente desesperad­a.

Qual o seu balanço dessa militância? A causa está avançando? Hoje (ontem), acordei vendo um vídeo da presidente da (ONG) Ajuda Humanitári­a para Venezuela, em lágrimas, avisando que não tinha recursos para mandar remédios para pessoas de todas as idades que estão morrendo a cada dia. Como cônsul honorária da Anistia Internacio­nal, meu papel é denunciar ao mundo a realidade vivida pela Venezuela. Preferia não ter de fazer isso, mas é preciso.

De que forma acha que seu país vai sair da crise? Tem esperança de que Maduro vá embora? O modo mais claro de definir a Venezuela é dizer que não temos lá um governo, nem uma democracia. É um Estado narcomafio­so, um cartel das drogas no poder. Não é fácil responder se Maduro vai ficar no poder ou não. Eles ficarão enquanto esse poder lhes garantir a impunidade. E não acredito que haja uma solução eleitoral viável. Não perco a esperança, mas temos de batalhar rumo a uma mudança – e não será uma mudança fácil.

Gustavo Dudamel é um regente famoso, que dirige um projeto educaciona­l para jovens em parceria com o governo. Que acha dessa escolha?

Tenho apontado o dedo em suas alianças com o regime. As vagas e recentes declaraçõe­s, sobre o que fez, foram muito pouco, e vieram muito tarde. Suas turnês vendendo o chavismo permitiram ao regime uma década de popularida­de mundial. Foi a mais eficaz máquina de propaganda que o governo de Caracas poderia ter montado. /GABRIEL MANZANO

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EDUARDO TARDIN / OSESP

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