O Estado de S. Paulo

No Brasil para o lançamento de ‘O Bebedor de Horizontes’, Mia Couto fala sobre o tema do próximo livro: seu pai

- Maria Fernanda Rodrigues

Mia Couto já disse que sua infância é um tempo que não terminou e que sua família e a casa foram, para ele, como uma pequena pátria numa época em que Moçambique vivia em guerra. No centro dessa imagem, desse tempo, está seu pai, a pessoa que lhe ensinou o valor da poesia.

“Ele foi um homem que vivia feliz por construir um mundo paralelo, porque ele era capaz de sugerir uma história para um mundo que era feio e estava doente. Meu pai queria ensinar a procurar beleza nesse mundo em conflito. Estávamos em guerra, vivendo sob uma ditadura, e, apesar disso tudo, fomos felizes”, conta o escritor.

De passagem por São Paulo para o lançamento de O Bebedor de Horizontes, último volume da série As Areias do Imperador, Mia Couto conversou com o Estado na sede da editora Companhia das Letras e disse que agora que colocou um ponto final no projeto que mais lhe deu trabalho – e isso o deixa “aliviadíss­imo” –, pode se dedicar a uma história mais autobiográ­fica.

“É autobiográ­fica, mas não é sobre mim, é mais no sentido da minha infância, do meu lugar, da minha pequena cidade. E é, sobretudo, sobre o meu pai”, explica.

Depois dessa trilogia histórica, o leitor pode, então, esperar a volta de um Mia mais poético. “Vou me deixar invadir pela linguagem poética mais do que nunca, mais do que em qualquer outro livro. E este é um momento que só posso recuperar pela via de uma memória inventada”, diz. Portanto, uma ficção.

Mia tem 62 anos. Seu pai morreu há quatro anos, aos 89. Sua mãe, um ano depois, aos 94. Ele foi poeta, e tudo o que fez além da poesia era uma grande mentira, lembra. Ao contrário do filho, que é biólogo atuante, mas poderia viver de sua literatura, o pai não podia sustentar a casa com seus versos e foi jornalista, trabalhou em estação ferroviári­a e fez outras coisas. “A gente percebia que ele estava ali fazendo só uma representa­ção.”

Mia Couto não tem pressa de terminar esse livro, que já tem cerca de 40 páginas escritas e deve ser lançado em 2019 ou depois. Por ora, divide esse mergulho no passado com a divulgação

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