Verde é a cor mais forte
Era difícil acreditar que o término da viagem se aproximava sem nenhum perrengue típico de estrada. Pois ele veio, e no dia em que teríamos pela frente o percurso mais longo do roteiro. Graças às más condições das rodovias do Malauí, um pneu do caminhão estourou pouco depois de deixarmos Chitimba. Fato que nos fez vivenciar mais uma característica africana: a camaradagem. Todos que passaram por nós ofereceram ajuda, inclusive as crianças. Forças unidas, novo pneu instalado, veículo de volta ao trajeto até Iringa, primeira parada na Tanzânia.
Chegamos à cidade após longas 14 horas de jornada. Um trajeto exaustivo, mas feito entre belos cenários vistos da janela. Plantações dos principais produtos agrícolas tanzanianos, como tabaco, chá, coco e castanha de caju – a exportação deles é a atividade econômica número um do país. Cultivos de sisal. Regiões gigantescas de mata nativa em planícies e montanhas, afinal, quase 40% do território nacional é formado por áreas de conservação. O verde é a cor predominante.
A exceção é o Vale dos Baobás, em que se nota o degradê de tons, do amarelo ao marrom. As árvores de largos e compridos troncos são típicas da savana, onde a vegetação é mais rasteira e a areia, onipresente. Acredita-se que as desta região tenham mais de mil anos, o que significa que seus frutos e folhas já serviram de alimento e matéria-prima para várias gerações. Admirar o conjunto delas, com as altas montanhas como pano de fundo, é ver um cartão-postal africano in loco.
Savana clássica. Iringa é mais uma cidade-dormitório do roteiro, cuja última atração é o Parque Nacional Mikumi, distante 190 quilômetros. Com boas estradas, o trajeto poderia ser feito em duas horas, não fossem as rígidas leis de trânsito da Tanzânia. É comum que as rodovias tenham velocidade máxima permitida de 50 quilômetros por hora e radares e policiais por todas as rotas. Reserve, então, quatro horas.
Apesar de não estar no circuito turístico norte, conhecido por nomes como Serengeti, Kilimanjaro e Ngorongoro, o parque da região Sul da Tanzânia cumpre muito bem as expectativas dos visitantes. Nas nossas boas vindas, ainda antes do portão principal, um búfalo quase morto agonizava a uns 20 metros da estrada. Ao lado, dois leões esticavam seus corpos na sombra de uma moita, só no aguardo do calorão passar para abocanhar a refeição fresca.
No parque, mais leões, outros búfalos (vivos), girafas, elefantes, impalas e zebras deram as caras no safári de um dia inteiro. Com 3.230 quilômetros quadrados de área, o Mikumi é o quarto maior parque do país – são 18 no total – e vizinho do líder do ranking, a Reserva do Selous. Com mesmo ecossistema, os dois abrigam famílias de animais em comum, que migram de um para o outro a depender da época do ano.
Mikumi ganhou recentemente duas lagoas artificiais que logo se transformaram em piscinas de hipopótamos, por nunca secarem e não serem muito profundas – a espécie, que não é tão boa nadadora quanto se imagina, prefere águas rasas. Instaladas numa região de savana, as lagoas viraram o ponto final de todo tour, para ninguém deixar o local antes de ver o sol se pôr na mais tradicional paisagem africana.
Nossa despedida de Mikumi foi na manhã seguinte. Encaramos a estrada pela última vez: foram 340 quilômetros em seis horas até Dares-Salaam, maior cidade e antiga capital da Tanzânia – perdeu o posto para Dodoma em 1973.
Dessa vez, acompanhamos aos poucos, naquele mesmo ritmo africano, os cenários isolados ganharem contornos urbanos. O fluxo de veículos na estrada aumenta, a quantidade de pessoas indo pra lá e pra cá. Os mercados, antes improvisados, agora têm estruturas de concreto. As igrejas perdem o protagonismo para as mesquitas. E outdoors eletrônicos, cheios de brilho, transportam-nos para o “mundo desenvolvido”.
É mais uma África que temos diante dos olhos. Completamente diferente daquela ideia que trazemos de casa.