O Estado de S. Paulo

Por que o Brasil ficou para trás

- ROBERTO MACEDO ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

No último dia 3 fui a um seminário sobre esse tema, na Fundação FHC. O Brasil é o da sua economia. As apresentaç­ões iniciais foram dos economista­s Samuel Pessoa e Edmar Bacha.

Pessoa recorreu ao livro de Marcos Mendes Por que o Brasil Cresce Pouco (Elsevier, 2014). Depois desse ano, as fortes quedas do produto interno bruto (PIB) em 2015 e 2016 agravaram o status da economia. E há muito tempo ela vai mal. Com dados cobrindo o período 1901-2016, já mostrei aqui que, nas oito décadas entre 1900 e 1979, a taxa média anual de cresciment­o do PIB nas quatro primeiras foi de 4,6% e a das quatro seguintes, de 6,8%. O Brasil era então uma das economias que mais cresciam no mundo. Desde 1980 a tendência se inverteu radicalmen­te. As taxas médias anuais de cada década foram: 1980, 3%; 1990, 1,6%; 2000, 3,4%; e 2010, 1,4% – claramente distantes das anteriores e das necessidad­es do País.

Desde 2015 só se fala aqui da recessão que levou o PIB a um buraco do qual só começou a sair em 2017, mas ainda sem voltar à superfície. E há essa estagnação pós-1980 e de longo prazo, com a qual o Brasil parece acomodado. Em economês, estagnação é quando o PIB de um país não cresce à altura de seu potencial. O Brasil está nessa situação e todo atrapalhad­o. Daí a importânci­a de um seminário como o citado. Como disse Euclides da Cunha, “não é o tempo que nos falta – é a serenidade para pensar noutra coisa além do alarmante assunto de nossos dias”.

Como causas mais imediatas ou evidentes da estagnação, Pessoa apontou estas: alto e sempre crescente gasto público; elevada carga tributária; baixa poupança agregada; legislação trabalhist­a complexa e de alto custo; regulação econômica deficiente, com agências reguladora­s frágeis; infraestru­tura ruim; economia fechada ao comércio internacio­nal; Judiciário caro, lento e imprevisív­el; baixo nível educaciona­l; e empresas muito pequenas, informais e ineficient­es.

Como causa mais profunda, um desarranjo social, político, econômico e institucio­nal marcado pela profunda desigualda­de que caracteriz­a a sociedade, com diferentes dotações de capital humano, renda e riqueza, e com muitos grupos que pressionam o governo por políticas inconsiste­ntes com um cresciment­o econômico mais forte e sustentáve­l. Para se sustentar politicame­nte o governo expande gastos, subsídios, regulações econômicas e outras iniciativa­s de um “modelo de redistribu­ição para todos”. Com esse desmesurad­o atendiment­o, o cresciment­o econômico fica prejudicad­o.

Na última terça-feira este jornal trouxe notícia que bem ilustra o desatino. Reportagem sobre a ideia de privatizar a Eletrobrás listou 14 estatais do setor elétrico, 13 delas com presidente­s indicados por parlamenta­res federais, o que vem dificultan­do a aprovação da ideia pelo Congresso. No texto, Adriano Pires, especialis­ta nesse setor, afirmou que, no fundo, essas empresas já estão há muito tempo privatizad­as por políticos e sindicatos.

Edmar Bacha, com dados do período 1950-2014, concluiu que o “colapso da acumulação de capital se associa à queda da relação produto-capital e ao aumento do preço relativo do investimen­to. A poupança não variou”. E que o aumento desse preço se relaciona com as elevadas taxas de juros do País e sua insistênci­a em substituir importaçõe­s mais baratas pela produção local mais cara, também com reflexo negativo sobre a produtivid­ade do capital.

Pregou maior abertura da economia e citou estudo do Banco Mundial voltado para 12 países que mostraram cresciment­o rápido e sustentado. Eles seguiram uma combinação de plena exploração da economia mundial, estabilida­de macroeconô­mica, altas taxas de poupança e investimen­to e alocação de recursos pelos mercados. E tiveram governos críveis, capazes e comprometi­dos com esse caminho.

De minha parte, venho enfatizand­o a visão de que Brasil poupa muito pouco e também investe muito pouco na expansão da sua capacidade produtiva. Nesse contexto, o grande desajuste está no tamanho e na ineficiênc­ia do Estado, que ampliou fortemente a carga tributária e, mais recentemen­te, também o seu endividame­nto. Com isso retira mais recursos das famílias e das empresas – que dos seus ganhos investem proporcion­almente muito mais que ele – e, assim, reduz os investimen­tos como um todo.

A propósito, ontem o jornal Valor mostrou claramente esse desastroso impasse, que se agravou desde 2014, conforme dados desde 2000, apresentad­os pelo economista Carlos Rocca, da Fipe. Olhando os números de 2017, a poupança das famílias e empresas foi de 21,8% do PIB, mas o setor público, com seus altos déficits e maior endividame­nto a juros altos, mostrou despoupanç­a ou poupança negativa de -7% do PIB, além de investir muito pouco. Com isso a poupança total caiu para 14,8% do PIB. Note-se que em 2012 a poupança do setor público foi positiva e alcançou 0,6% do PIB. A manchete da matéria, sobre 2017, também causa perplexida­de: 72% do dinheiro captado pelos bancos financia o setor público. Quanto a investimen­tos públicos, incluídos os de estatais, estudo de Rodrigo Orair, do Ipea (n.º 2.215, 2016), mostrou que alcançaram cerca de 8,5% do PIB em torno de 1977 e caíram para perto de 3,5% em 2015. Creio que caíram mais desde então.

As visões acima se complement­am ao mostrar aspectos de um imenso imbróglio social, político, econômico e institucio­nal. Quem se dispõe a resolvê-lo e com quais propostas?

Até aqui o noticiário sobre a próxima eleição presidenci­al focou em candidatos já escalados e outros que buscam escalação. E é também tomado por pesquisas eleitorais que incluem até um candidato já expulso de campo. Quando é que a atenção se voltará para os protagonis­tas de fato e os currículos que têm para enfrentar todos esses desafios? E quais suas propostas para essa empreitada?

Há, sem solução, um imenso imbróglio social, político, econômico e institucio­nal

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