O Estado de S. Paulo

Novo nome, mesmo regime

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Enquanto o mundo mudava vertiginos­amente nas últimas seis décadas e muitas nações não só assistiram à ascensão e queda de seus líderes, como também ao esfacelame­nto de suas próprias formas de governo, o nome Castro – e tudo que ele representa – foi uma constante para os cubanos e para os desdobrame­ntos dos arranjos geopolític­os.

Raúl Castro, general do Exército de Cuba, sucedeu ao irmão, Fidel, no comando da ilha do Caribe em 2006. Em 11 anos, implemento­u um lento plano de abertura econômica. Hoje um cubano tem menos restrições para viajar ao exterior, pode abrir o próprio negócio e acessar a internet, ainda que o conteúdo que pode ser visto passe pelo crivo estatal.

O ápice da agenda de mudanças em Cuba sob a gestão de Raúl Castro foi o restabelec­imento das relações diplomátic­as com os Estados Unidos, em 2015. No ano seguinte, o presidente cubano recebeu o então presidente americano, Barack Obama, no Palácio da Revolução.

Aos 86 anos, o presidente Raúl Castro renunciou ao cargo. Hoje, os membros da Assembleia Nacional de Cuba referendam o nome do substituto escolhido por ele: Miguel Díaz-Canel, 57 anos, primeirovi­ce-presidente de Cuba.

A ascensão de Díaz-Canel não representa em absoluto o fim do poder de um Castro em Cuba. Raúl permanece como chefe supremo do Partido Comunista, o que significa que as diretrizes estratégic­as da política, da economia e dos costumes na ilha caribenha continuarã­o a ser dadas por ele. Também comandará as Forças Armadas. A Miguel Díaz-Canel caberá apenas dar prosseguim­ento às políticas já definidas por seu antecessor.

Nascido em 20 de abril de 1960, Miguel Díaz-Canel não era vivo quando Fidel Castro, seu irmão Raúl e um grupo de revolucion­ários desceram a Sierra Maestra a caminho de Santiago de Cuba e, sete dias após a queda do presidente Fulgencio Batista, no dia 1.º de janeiro de 1959, entraram em Havana marcando o triunfo da Revolução Cubana. Miguel DíazCanel é o primeiro líder da geração pós-revolucion­ária a chegar ao poder em Cuba.

Não é razoável imaginar que a mera troca do presidente vá alterar, por si só, os rumos da política cubana, tanto interna como externamen­te. Miguel Díaz-Canel é um burocrata do Partido Comunista sem uma grande base política de apoio ou “credenciai­s revolucion­árias”, de acordo com analistas. Tem um histórico mais liberal em relação a costumes, mas não há nada em sua trajetória política que permita inferir que, sob seu governo, Cuba passará por transforma­ções mais radicais em seu processo de abertura.

Mais segura é a aposta na manutenção da agenda de Raúl Castro, que até mesmo por suas condições físicas, em virtude da idade avançada, vê na ascensão de um líder jovem não apenas o vigor para levar adiante suas ideias, mas uma oportunida­de de arejar o regime cubano sem ter de mudá-lo em seus aspectos centrais. “Trata-se de institucio­nalizar o regime”, disse Jorge Domínguez, professor de ciência política e especialis­ta em Cuba da Universida­de Harvard.

A percepção dos analistas é a mesma de uma boa parcela da sociedade cubana ouvida por órgãos de imprensa. “Ter um novo presidente é uma novidade para nós, mas sentimos que tudo ficará do mesmo jeito”, disse Margarita Álvarez, pequena comerciant­e do setor de turismo.

Não se deve perder de vista que as mudanças promovidas por Raúl Castro, e que devem ser mantidas por seu sucessor, não ofuscam o fato de Cuba ser uma triste exceção ditatorial na América Latina, ao lado dos regimes bolivarian­os pouco afeitos à liberdade.

Seria bom para os cubanos se Diáz-Canel tivesse força – e vontade – para dar um passo além de Raúl Castro e ampliar a extensão das reformas no sentido de permitir maior participaç­ão política dos cidadãos e mais liberdade no debate sobre os rumos do país, seja no seio da sociedade ou por meio de uma imprensa livre. Antes que isso aconteça, o camelo passará pelo buraco da agulha.

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