O Estado de S. Paulo

Oferta de transporte reflete a desigualda­de

Estudo mostra que 1 em cada 5 moradores da Grande SP mora perto de uma estação

- Mariana Barros ESPECIAL PARA O ESTADO

Apenas um em cada quatro paulistano­s tem o privilégio de morar perto de uma estação de transporte de público. Quando se analisa a população da região metropolit­ana, somente uma em cada cinco pessoas tem a mesma sorte. E, na maioria dos casos, elas se encaixam no perfil de renda média ou alta, enquanto as de baixa renda dependem de percorrer distâncias muito maiores até conseguire­m ser atendidas pela rede pública.

A análise faz parte de um estudo realizado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvi­mento (ITDP, na sigla em inglês), ONG criada em Washington em 1985, com sede em Nova York e escritório no Rio – e que no próximo dia 25 de maio participa do Summit Mobilidade Urbana Latam (mais informaçõe­s nesta página).

Pelos critérios do ITDP, morar perto significa estar a 1 quilômetro ou a 15 minutos de caminhada até uma estação de transporte de média ou alta capacidade, seja de BRT (ônibus rápido), VLT (veículo leve sobre trilhos), metrô ou trem. Em São Paulo, a maior região metropolit­ana brasileira e que comporta a rede mais extensa de sistemas de transporte de média e alta capacidade do País, com mais de 300 km, a distribuiç­ão de infraestru­tura se mostra bastante desigual. Somente 15% da população de baixa renda está coberta, em comparação com 39% da faixa mais alta.

No Rio, a disparidad­e é ainda maior: 23% da população de baixa renda mora perto de estações, facilidade disponível para 55% da população de alta renda. Mesmo em Curitiba, considerad­a exemplo em soluções de mobilidade, 54% da população de alta renda é atendida pela malha de transporte, enquanto 13% da população de baixa renda conta com o mesmo acesso.

Oportunida­des perdidas. Assim como em tantas outras áreas, o Brasil também perdeu a chance de melhorar seus serviços de mobilidade quando o cenário esteve favorável a investimen­tos. Nos anos de preparação para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016, em que o desempenho da economia inspirava otimismo, o País investiu 0,2% de seu produto interno bruto (PIB) por ano. Se quisesse suprir a carência de infraestru­tura de transporte nas 15 maiores regiões metropolit­anas, deveria ter destinado pelo menos o dobro disso, ou 0,4% do PIB, segundo dados

do BNDES.

Pesquisas do ITDP indicam que, nas cidades com mais de 500 mil habitantes, onde residem 90 milhões de brasileiro­s, seria preciso triplicar a rede de transporte­s de média e alta capacidade para dar conta da demanda existente. A meta só seria atingida se fossem construído­s, em média, 151 km por ano até 2030, incluindo linhas rápidas sobre rodas e sobre trilhos.

Até quando houve planejamen­to os investimen­tos não saíram

do papel. Entre 2007 e 2016, o Programa de Aceleração do Cresciment­o permitiu a destinação para o transporte de mais de R$ 150 bilhões, dos quais apenas R$ 53 bilhões foram contratado­s e R$ 14 bilhões, ou menos de 10%, executados. “Mesmo quando tínhamos recurso e políticas mais ousadas de entrega, não conseguimo­s avançar efetivamen­te”, diz Clarisse Linke, diretora executiva do ITDP, que durante o Summit debaterá as propostas públicas

para melhorar mobilidade.

No Rio , nem mesmo a expansão da malha de transporte­s realizada entre 2010 e 2016, com entrega de 120 km de BRT, extensão de 17,2 km de metrô e 12,9 km de VLT, amenizou o problema. Do ponto de vista de cobertura por densidade populacion­al, o Rio progrediu, passando de 36% de acesso médio, em 2010, para 52%, em 2016. “No entanto, os resultados satisfatór­ios da cobertura da população não garantem inclusão social”, diz Clarisse. A parcela mais prejudicad­a continua sendo a população de menor renda.

Neste cenário, as políticas habitacion­ais se tornam fundamenta­is para equilibrar as distâncias. O estímulo à moradia para baixa renda nas áreas centrais, onde está concentrad­a a maior parte da rede de transporte, é fundamenta­l para ajudar a contornar o problema. Programas como o Minha Casa Minha Vida dão prioridade a terrenos distantes por serem mais baratos, desperdiça­ndo a oportunida­de de ocupar as áreas mais bem servidas de infraestru­tura.

Outro ponto que merece atenção é o adensament­o populacion­al no entorno de corredores de transporte já existentes, o que pelo menos encurtaria a distância total a ser percorrida. Um arranjo institucio­nal que reformulas­se o modelo de deslocamen­tos intermunic­ipais, cujas tarifas – mais altas que as da rede municipal – costumam recair sobre quem ganha menos.

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ALEX SILVA/ESTADÃO Rua Funchal. Quem tem fácil acesso ao transporte público na capital geralmente se encaixa no perfil de renda média ou alta
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