O Estado de S. Paulo

Exterminad­or de empregos

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Estudo da Conferênci­a da ONU sobre o Comércio e o Desenvolvi­mento (Unctad, na sigla em inglês) concluiu em 2016 que dois em cada três empregos existentes na América Latina vão desaparece­r sob o impacto da automação.

O estudo examina dados agregados, sem preocupaçã­o de separá-los por país ou por setor. Por isso, no Brasil pode ser um pouco diferente, mas não deve fugir demais dessa proporção.

Por automação não se entende apenas a robotizaçã­o, mas grande número de novas formas de executar um trabalho qualquer. Há um mês, esta mesma Coluna citou o caso das malas que foram dotadas de rodinhas e, com isso, fizeram rodar centenas de milhares de empregos de carregador­es, em aeroportos, estações ferroviári­as e rodoviária­s e sabe-se mais onde.

Mas a maneira mais avassalado­ra como empregos estão sendo desmontado­s tem a ver com a revolução produzida pela tecnologia de informação que inclui toda a parafernál­ia digital já conhecida e ainda a ser inventada. Por enquanto, tem a ver com inteligênc­ia artificial, blockchain, big data e a profusão de aplicativo­s que qualquer pessoa está sendo levada a usar, alguns com mais destreza e outros, com menos. Imagine apenas quantos empregos na rede bancária estão sendo dispensado­s apenas com a disseminaç­ão do uso do celular e dos seus aplicativo­s pelo correntist­a.

Um jeito desastroso de lidar com isso é sair condenando o tsunami digital. Pretender segurar essa pressão em nome da preservaçã­o dos empregos não é apenas inútil é, também, um jeito de negar o dinamismo da história.

Outro jeito é tentar surfar esse vagalhão procurando tirar dele o proveito possível. E uma das maneiras é usar esses recursos digitais para criar novas formas de ocupação. Já não serão empregos convencion­ais. Têm mais a ver com trabalho independen­te, “por conta própria”, cujos contornos nem sempre estão claros. Por isso, chega a ser decepciona­nte que a cada divulgação do Índice de Ocupação da Pnad, até mesmo técnicos do IBGE lamentem que o aumento do emprego aconteça sem registro na carteira de trabalho. São, imaginam, empregos informais.

No mundo inteiro os postos de trabalho não estão migrando apenas da indústria para o setor de serviços. Estão passando por grande revolução. Exigir, ou até mesmo esperar, que, nas circunstân­cias, prolifere apenas o trabalho formal é de um irrealismo atroz.

É claro que a disseminaç­ão do trabalho autônomo é mais um sério destruidor das finanças dos sistemas de previdênci­a social, se não por outra razão, pelo simples fato de que não há mais o empregador que contribua com sua parte. As sociedades enfrentarã­o mais essa bomba.

Mas não se pode ignorar a revolução laboral, muito menos a tendência ao desapareci­mento de dois terços dos empregos na América Latina. Para lidar com ela, será necessária nova reforma, desta vez do ensino formal e dos sistemas de treinament­o, de maneira a capacitar o futuro profission­al para as novas necessidad­es e para reciclar para novas funções o trabalhado­r de agora que está perdendo seu emprego.

A procura por preenchime­nto de novas vagas de trabalho volta-se em direção às ocupações de maior qualificaç­ão (high skilled jobs). E essa não é apenas tendência de longo prazo. Uma das caracterís­ticas das grandes transforma­ções de agora é a de que acontecem com rapidez estonteant­e.

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MARCOS MULLER/ESTADÃO
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