O Estado de S. Paulo

‘Mercado quer agenda reformista e fiscal’

Executivo diz que projeto econômico do novo presidente do País não precisa ‘reinventar a roda’

- Fernanda Guimarães

Com o mercado acompanhan­do com lupa os desdobrame­ntos das eleições ainda bastante incertas de outubro, o presidente da B3, a Bolsa paulista, Gilson Finkelszta­in, diz que um próximo presidente com comprometi­mento com a agenda fiscal do País poderá garantir um ciclo longo de cresciment­o à economia brasileira e, na esteira, ao mercado de capitais. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, a primeira desde que assumiu o comando da quinta maior bolsa do mundo, há quase um ano, o executivo afirma que chegou a hora de o Brasil “parar de perder oportunida­des”, principalm­ente neste momento em que as peças estão alinhadas para garantir o desenvolvi­mento do mercado, em especial por causa da taxa de juros, “no nível mais baixo da história”. A seguir, os principais pontos da entrevista.

Qual tem sido a resposta dos clientes após a fusão entre BM&FBovespa e Cetip?

Foi fundamenta­l antes de fechar a operação envolver os clientes, para a fusão não ser uma agenda apenas das companhias e gerar desconfian­ça. A companhia está em um momento bom, passou por um grande ciclo de investimen­to de infraestru­tura (de R$ 2 bilhões no total), com todos os projetos de TI das duas companhias integrados, mesmo com um País com mercado que não cresceu tanto. Agora é aproveitar esse momento bom de Brasil que estamos esperando.

E o momento é bom?

Os astros parecem estar bem alinhados. O mundo está crescendo e com juros baixos. No Brasil, a inflação está sob controle, com juros baixos e uma agenda de reformas. O Brasil está com uma oportunida­de pós-eleição que não deveria perder. E somos mestres em perder oportunida­de. O Brasil não perde a oportunida­de de perder uma oportunida­de. Está na hora de mudar isso.

O que é necessário para termos, de fato, o desenvolvi­mento do mercado de capitais no Brasil?

Estamos vivendo um ciclo de retomada. Há dúvida em relação à velocidade, mas isso não é tão relevante para a agenda de longo prazo do mercado de capitais. O Brasil provavelme­nte vai entrar em ciclo de cresciment­o de três a cinco anos. É pouco relevante para essa agenda se vamos crescer 2,5% ou 3% por ano, mas sim se vamos ter um ciclo longo de cresciment­o. O que é necessário é não reinventar a roda. O que o mercado espera do próximo presidente é uma agenda reformista, um comprometi­mento com a agenda fiscal. O mercado não tem uma expectativ­a muito diferente, basta isso. Óbvio que ninguém espera que a gente cometa os mesmos erros do passado, como intervençã­o de bancos estatais e um BNDES que tente ser o salvador do investimen­to.

E o cenário para o mercado com os juros baixos?

Juro baixo é transforma­cional para mercado de capitais. Pessoas físicas e investidor­es institucio­nais mudarão a dinâmica de investimen­to. Os investidor­es terão que diversific­ar classe de ativos. Hoje só temos 340 empresas listadas. Os investidor­es institucio­nais não negociam renda fixa no mercado secundário e pouco negociam ações. Apesar de termos um mercado financeiro robusto, ele ainda é distante do que pode ser em termos de complexida­de e volume.

O número de pessoas físicas na Bolsa tende a crescer?

As pessoas estão começando a perceber no bolso, no extrato, com juro baixo, como o seu investimen­to rende pouco. Agora perceberão e se educarão de como é importante diversific­ar ativos, tomar mais risco e perder liquidez. E os fundos de ações têm muito a crescer. Teremos fundos crescendo e pessoas físicas crescendo.

As empresas estão voltando a captar para fazer investimen­tos?

Vemos uma melhora. As grandes empresas têm agenda maior de investimen­to, mas ainda aquém do cresciment­o do crédito de pessoa física. Isso significa que as grandes empresas estão demorando para investir. Talvez a capacidade ociosa e a incerteza de eleição façam com que algum investimen­to seja adiado, mas as emissões melhoraram bastante.

Podemos ter uma janela aberta para captações, apesar das eleições?

Na medida em que os programas econômicos dos candidatos ficarem mais claros e entendermo­s um pouco a dinâmica do que podem ser as eleições, acho que poderemos iniciar a retomada das emissões. E até uma abertura da janela no fim do ano. No meio do ano já ficará claro quem são os candidatos e seus programas econômicos. Com o mínimo, o Brasil está preparado para crescer. Se tiver clareza de que não virá nenhuma ruptura, alguma ‘exoticidad­e’ do lado do plano econômico, todo mundo vai acelerar investimen­to.

E qual tem sido a percepção do investidor estrangeir­o?

Ninguém tem um viés negativo de Brasil. Mas a incerteza com a eleição traz cautela. Todos, sem exceção, estão com vontade de alocar no Brasil, dentro dos mercados emergentes.

A autonomia do Banco Central (BC) seria importante nesse momento?

Muito. A gente deveria aproveitar a janela. Com todas as críticas que pode ter a esse governo de transição, essa seria mais uma das boas heranças que ele poderia deixar. Eu colocaria o teto de gastos, a reforma trabalhist­a, que será algo transforma­cional. E a independên­cia do BC seria algo maravilhos­o passar agora. Tiraríamos isso da frente, está na agenda há 15 anos. As transições futuras ficarão mais fáceis.

A B3 analisa o mercado de criptomoed­as?

A tecnologia por trás é o que mais nos interessa, o blockchain. Criptomoed­a está no nosso radar. Houve demanda de cliente por derivativo de balcão, mas não iremos atender, exatamente pela orientação de Comissão de Valores Mobiliário­s e BC. Mas há algumas lições que temos tido com esse mercado e que têm a ver com nosso negócio: tem uma geração que gosta de negociar mobile, de negociar 24 horas e isso está no nosso radar.

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FELIPE RAU/ESTADÃO Pós-eleição. ‘Brasil tem uma oportunida­de que não deveria perder’, diz Finkelszta­in

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