O Estado de S. Paulo

É ‘vital’ conter a dívida brasileira, diz FMI

Endividame­nto público no Brasil supera 80% do PIB, bem acima da média dos emergentes, onde o porcentual é de aproximada­mente 50%

- Rolf Kuntz ENVIADO ESPECIAL/ WASHINGTON

Num mundo superendiv­idado, o Brasil se destaca por uma dívida pública muito maior que a dos outros grandes emergentes – um importante fator de risco, na avaliação de especialis­tas do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). Para tornar o País menos vulnerável a choques externos, é “crucial” apressar a arrumação das contas públicas e frear o endividame­nto, segundo o diretor do Departamen­to de Assuntos Fiscais do Fundo, Vitor Gaspar.

O perigo de turbulênci­as no mercado financeiro tem crescido com a política de juros baixos e crédito fácil, num ambiente propício a operações de risco e à valorizaçã­o excessiva de ativos. A lembrança do estouro da bolha financeira há dez anos, começo da última grande crise, tem justificad­o as advertênci­as de economista­s e dirigentes de entidades financeira­s e econômicas multilater­ais.

Qualquer choque um pouco mais forte pode ser desastroso num ambiente de enorme endividame­nto, segundo têm alertado analistas do FMI e de outras instituiçõ­es. A soma das dívidas pública e privada atingiu US$ 164 trilhões em 2016, valor correspond­ente a 225% do produto global. A dívida pública total chegou a 83,1% do produto naquele ano e em seguida recuou ligeiramen­te, passando a 82,4% em 2017 e 82,1% em 2018.

Nas economias avançadas o endividame­nto alcançou 105% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, o nível mais alto desde a Segunda Guerra Mundial. A proporção deve ficar em 103% neste ano e declinar lentamente até 100,4% em 2023, pelas contas do FMI. Mas o cenário se complica nos Estados Unidos, a potência econômica número um, com a política fiscal expansioni­sta do presidente Donald Trump. A dívida pública americana está projetada para 108% do PIB neste ano e 116,9% em 2023.

Emergentes. A situação dos emergentes parece bem mais administrá­vel que a do mundo rico, mas a diferença é explicável, em parte, pelo menor acesso a financiame­ntos. Nas economias emergentes e de renda média dívida bruta do governo geral chegou a 49% do PIB no ano passado, deve subir para 51,2% em 2018 e alcançar 57,6% em 2023. No Brasil o comprometi­mento das finanças públicas é muito maior. Estava em 84% do PIB em 2017, é estimado em 87,3% neste ano e continuará avançando, segundo estimam economista­s do FMI, até 96,3% em 2023.

Pelos cálculos do governo brasileiro, a dívida pública ainda está abaixo de 80%. A diferença ocorre porque o critério seguido em Brasília desconside­ra os títulos do Tesouro mantidos no Banco Central (BC). Mas a distinção de critérios de nenhum modo reduz o problema ou afeta de forma significat­iva as avaliações do mercado. Essas avaliações são por enquanto favoráveis, mas podem mudar com o cresciment­o continuado da dívida ou, ainda mais velozmente, no caso de um choque financeiro.

Monitor. É uma proporção excessiva para um emergente, comentou Vitor Gaspar, retomando em entrevista coletiva a recomendaç­ão incluída no Monitor Fiscal, um relatório publicado pelo FMI em abril e outubro.

O Brasil, segundo a publicação, deve aproveitar as condições criadas pelo cresciment­o econômico e adiantar a execução dos ajustes e reformas, para estabiliza­r a dívida bruta antes do prazo previsto de 2024. A decisão de como cuidar do assunto caberá, é claro, às autoridade­s do Brasil, ressalva o economista, mas a recomendaç­ão técnica está feita.

O problema prático é saber como o governo poderá gerar superávits primários, nos próximos anos, em volume suficiente para estabiliza­r a proporção entre a dívida e o PIB. As contas públicas brasileira­s têm sido fechadas com déficit primário desde os anos finais do governo da presidente Dilma Rousseff.

Há superávit primário quando sobra algum dinheiro depois das despesas de operação governo, aquelas necessária­s para o custeio da administra­ção e, quando possível, para algum investimen­to. Há anos o dinheiro tem sido insuficien­te até para cobrir esses gastos. Neste ano, por exemplo, o governo federal se esforça para conter déficit primário em R$ 139 bilhões. Para o próximo ano a meta deve ser um buraco de R$ 129 bilhões.

Perspectiv­a. Sem alguma sobra, falta dinheiro até para cobrir uma pequena parcela dos juros vencidos no ano. É preciso, portanto, refinancia­r os juros e, naturalmen­te, o principal da dívida. Assim, cresce o valor devido. Pelas projeções correntes em Brasília, a dívida continuará em expansão até o fim do próximo governo e só se estabiliza­rá em 2023 ou 2024. E mesmo essas estimativa­s podem estar erradas, a depender da orientação política implantada nos próximos anos.

O atual nível de endividame­nto público dos emergentes, perto de 50% na média, foi verificado pela última vez nos anos 1980, período de crise conhecido como a década perdida, lembrou Vitor Gaspar. Muito acima disso está o do Brasil, superior a 80% do PIB e no rumo de 96%, pelas contas do FMI.

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BRENDAN SMIALOWSKI/AFP Arrumar. Gaspar pede que Brasil acerte as suas contas

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